Brasil vive alta nos casos de hepatite A após uma década de queda
13 de agosto de 2025

O Brasil voltou a registrar um preocupante aumento nos casos de hepatite A, após dez anos de queda, segundo o Boletim Epidemiológico de Hepatites Virais divulgado em julho pelo Ministério da Saúde. A taxa nacional de incidência da doença subiu 54,5% de 2023 para 2024, passando de uma média de 1,1 para 1,7 caso a cada 100 mil habitantes, conforme dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan).
Historicamente, o problema se concentrava nas regiões Norte e Nordeste (com 24,5% e 29,2% dos casos acumulados, respectivamente). Contudo, o levantamento aponta um novo padrão, com surtos em grandes cidades, que até então eram menos afetadas. Isso se deu principalmente nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Essa última foi a que apresentou a maior variação proporcional, com um crescimento de 350% em apenas um ano.
As capitais dessas regiões lideram o ranking. Curitiba é o caso mais extremo, com 31,3 casos a cada 100 mil habitantes – quase 20 vezes acima da média nacional. Tal discrepância entre a incidência no país e nas capitais sugere que o surto recente é urbano, e pode estar relacionado a densidade populacional e desigualdades no acesso a saneamento básico e vacinação.
Ameaça silenciosa
Causada pelo vírus da hepatite A (VHA), a doença é transmitida principalmente por via fecal-oral, ou seja, pela ingestão de alimentos ou água contaminados. Por isso, está associada a fatores como sistema de esgoto precário, higiene pessoal deficiente e consumo de água não potável ou de alimentos mal-higienizados.
A infecção também pode ser dar por meio do sexo anal. Daí porque campanhas de imunização do Sistema Único de Saúde (SUS) em São Paulo e no Distrito Federal, por exemplo, passaram a se direcionar a públicos específicos, como homens cisgênero homoafetivos.
“Esse vírus tem um período de incubação que varia de 15 a 50 dias. Então, é possível que muitos indivíduos sequer saibam que estão contaminados e transmitam a infecção para seus parceiros”, alerta o infectologista David Salomão Lewi, do Einstein Hospital Israelita.
Quando se manifestam, os sintomas típicos incluem fadiga, febre, mal-estar, enjoo, dor abdominal e icterícia (amarelamento das mucosas, urina escura e fezes brancas). Em casos mais graves, ainda é possível que o quadro evolua para uma insuficiência hepática aguda.
“Geralmente, a hepatite A se apresenta na infância como uma infecção benigna e autolimitada. Mas, na idade adulta, ela costuma aparecer de maneira mais complexa, com maior risco de se tornar uma hepatite fulminante, que pode exigir transplante hepático e oferecer risco de vida”, explica o infectologista e hepatologista Thor Dantas, professor da Universidade Federal do Acre (UFAC) e membro da Sociedade Brasileira de Hepatologia.
E são justamente os mais velhos que a doença tem mais afetado. O boletim do Ministério da Saúde aponta que, em 2014, a incidência de hepatite A entre jovens de 20 a 29 anos era de dois casos por 100 mil habitantes; dez anos depois, esse número subiu para quatro casos a cada 100 mil. Essa mesma tendência pode ser vista na faixa de 30 a 39 anos, que apresentava um caso a cada 100 mil em 2014 e passou para quase quatro casos por 100 mil em 2024.
Na contramão, tanto entre crianças menores de 5 anos quanto entre aquelas na faixa dos 5 aos 9 anos houve uma redução de 99,9% na incidência de hepatite A nesses dez anos. Isso se deve principalmente ao começo da vacinação contra a doença no SUS, em 2014.
Tem tratamento?
Não existe um antiviral específico para tratar a hepatite A. “Os cuidados nesses casos são sintomáticos, ou seja, se o paciente tem náusea, é dado um antiemético; se apresenta dor abdominal, recomenda-se um analgésico”, destaca Lewi.
“No geral, o mais indicado para ajudar na recuperação é o repouso relativo — a pessoa não precisa ficar deitada o tempo todo, mas deve evitar esforço desnecessário, como fazer exercício físico, e manter uma dieta balanceada, sem excesso de gordura ou açúcar.”
Também pode ser recomendado o isolamento de contato do indivíduo infectado. Dessa forma, enquanto estiver se recuperando da infecção, é importante que não compartilhe itens de higiene pessoal, como escova de dente, aparelho de barbear e toalha. Não é necessário um isolamento respiratório.
“O fígado possui uma grande capacidade de recuperação, assim, o tratamento da hepatite A é considerado de suporte. A exceção é para os pacientes que evoluíram para uma hepatite fulminante”, observa Dantas. “Nesses casos, como ocorre uma destruição massiva do órgão, essas pessoas precisam ser internadas em centros especializados para a condução de terapias intensivas e acompanhamento médico próximo.”
Além das melhorias no saneamento básico, o principal método preventivo contra a hepatite é a vacina. Desenvolvida a partir do vírus VHA inativo, ela é altamente eficaz, com efeito duradouro e perene, o que significa que não exige doses de reforço ao longo da vida.
Para quem não sabe se foi imunizado, é possível fazer um exame sorológico, que verifica a presença de anticorpos. Se eles não forem encontrados, é indicado se vacinar. Nos postos de saúde do SUS, o imunizante é distribuído gratuitamente para crianças de 12 meses até 5 anos incompletos (4 anos, 11 meses e 29 dias). A aplicação está prevista no calendário de vacinação infantil aos 15 meses.
Além disso, a rede pública oferece a vacina em um esquema de duas doses, com intervalo mínimo de seis meses, para crianças, adolescentes e adultos com hepatopatias crônicas ou outras condições que levem à imunodepressão, como a infecção pelo HIV.
Fonte: CNN