Frio gaúcho potencializa produção de leite
21 de junho de 2025

Muitas vezes antes do sol nascer, na geada, em meio ao frio, os produtores de leite já estão envolvidos nos cuidados com os animais e na rotina das ordenhas. Um desafio extra no inverno que só quem vive no campo conhece. Sem sábado, domingo, feriado ou férias, Diogo Ferrabolli, no município de Anta Gorda, no Vale do Taquari, é retrato do pecuarista que se dedica diariamente à bovinocultura de leite no Rio Grande do Sul. Entre o cansaço e o orgulho, explica como maneja o seu rebanho antes do galo cantar durante a época mais fria do ano, que também é o auge da “safra de leite”.
As temperaturas mais baixas acarretam desafios próprios em virtude das características da estação. A família Ferrabolli sabe o que faz. A expertise na criação de rebanho leiteiro já lhe rendeu diversos prêmios. Na Expointer 2024, em Esteio, conquistou o concurso Leiteiro da Raça Holandesa. A vaca “Pitoca” arrematou o primeiro lugar na categoria adulta com a produção de 110,41 quilos de leite em 24 horas e o recorde estadual. Não bastasse o feito, os produtores sagraram-se campeões também na categoria Jovem, do mesmo concurso, com a exemplar Ferraboli 622 Crushabull que produziu 84,81 quilos de leite. Neste ano, a lista de títulos cresceu. Outras duas fêmeas da granja venceram as categorias na Fenasul Expoleite.
“É um conjunto de ações. Mas o principal é trabalhar entre 18 horas e 20 horas por dia em uma atividade na qual está a família toda envolvida (seis pessoas), com muito amor. E, o resultado é diferente quando fazemos o que gostamos”, afirma o criador, sem revelar detalhes da estratégia com o rebanho leiteiro e recordando que o início na bovinocultura de leite deveu-se a aquisição, feita por seu pai, de uma vaca de descarte de um vizinho há cerca de 30 anos.
“Por mais que financeiramente não vale tanto a pena, é o que temos na nossa região. Ou fazemos isso ou vamos para a cidade”, explicou.
No dia a dia, Diogo Ferrabolli conta que são realizadas três ordenhas: às 6h, às 14h e 22h em um rebanho composto por 230 fêmeas da raça Holandesa – nem todas em lactação. Para manter a saúde dos animais, conta com uma equipe formada por veterinário e nutricionista.
“Mas primeiro respeitamos o animal e proporcionamos todo o conforto possível”, destacou, acrescentando que, para as vacas desta linhagem, de origem europeia, o inverno é o melhor período do ano. “Óbvio se as deixarmos soltas, na chuva, na lama vão sofrer muito”. As vacas da propriedade são abrigadas em galpão coberto. Terneiras recém-nascidas é que demandam cuidados extras com ambientes próprios aquecidos entre 15º e 20º graus por meio de lâmpadas. Mas, conforme Diogo, no geral, o período mais frio do ano simboliza uma alta entre sete e dez litros de leite, por dia, por vaca, em comparação a outras estações. Além disso, representa uma economia de cerca de R$ 10 mil por mês, em energia e água, que são mais necessários no verão para ventiladores e banhos realizados a cada dez minutos nas fêmeas.
“O nosso maior custo é a silagem”, apontou, destacando os prejuízos com as últimas quatro ocorrências de estiagens no Rio Grande do Sul.
Sobre os cuidados com o rebanho leiteiro no inverno, o analista da Embrapa Clima Temperado, em Pelotas, Rogério Dereti, enumerou os diferentes tipos de sistemas de criação de rebanho leiteiro: os extensivos, que se caracteriza pela alimentação dos animais exclusivamente a pasto; os confinados, mantém as vacas em áreas restritas, como currais ou galpões; e os semiconfinados que combinam o pastejo com a suplementação alimentar. Este último é o que predomina no Estado. Conforme Dereti, a opção dos criadores por sistemas mais confinados acontece porque facilita justamente a alimentação dos rebanhos leiteiros. Os animais possuem alta demanda nutricional para dar o máximo de seu potencial de produção.
O analista da Embrapa detalhou também que as diferenças de níveis de especialização dos rebanhos e quanto mais “profissionais” maior produção. Essa “categoria” de animais, disse ele, é determinada pela seleção genética e também está relacionada com a aptidão de determinadas raça. As baixas temperaturas ambientais afetam a termorregulação dos animais, que necessitam de mais energia (alimento) para a manutenção da temperatura corporal.
“Frequentemente temos mais problemas ligados ao estresse térmico no verão”, concluiu.
Condições climáticas influem na alimentação
Sucessão de estiagens e enchente de maio de 2024 ensinaram que o produtor deve ter previsibilidade no fornecimento de comida ao rebanho no inverno, uma vez que as pastagens gaúchas sofreram muito com as intempéries

A alta qualidade das pastagens nos campos gaúchos são um diferencial do inverno para o gado leiteiro, conforme avalia o analista da Embrapa Clima Temperado, em Pelotas, Rogério Dereti. Contudo, esse cenário não vem se concretizando nos últimos anos em decorrência de sucessivas estiagens em parte do Rio Grande do Sul. “O verão muito seco faz com que as pastagens cheguem no final da estação sem atingir o seu potencial de crescimento. Com isso, os animais que são mantidos a pasto estão sujeitos a uma deficiência alimentar. Os produtores que são organizados têm estratégias para armazenamento de alimento”, explicou, citando lavouras para a silagem e feno.
Dereti adianta que a Embrapa está trabalhando para a adoção de cultivares de forrageiras de verão que possam cobrir um pouco o que os especialistas chamam de vazio estacional, as transições entre as estações climáticas, a exemplo do outono e da primavera. No primeiro período, o analista detalhou que um ciclo começa a se encerrar e tanto a qualidade como o volume das forrageiras reduzem. “Ainda não temos a plenitude das forrageiras de inverno”, diz, referindo-se também em relação a alternância entre a primavera e o verão.
O analista sublinha que os produtores, independentemente da estação do ano que tenham enfrentado atipicidades climáticas, ficam sujeitos a interferência da anormalidade no período subsequente. Isso acontece em razão da necessidade de alimento para os animais. “Considerando que na maioria dos sistemas de produção de leite no Rio Grande do Sul os rebanhos são semi-confinados ou, pelo menos, com suplementação, boa parte dos produtores já têm algum tipo de estratégia para lidar com essas situações. O problema é que nem sempre é suficiente para superar o desafio que o próprio clima lança”, pontuou ele, ao recordar as estiagens vividas nos últimos anos e a enchente histórica de maio do ano passado, que abalou o Estado.
Dereti ressaltou que as chuvas em excesso também prejudicaram a implantação da pastagem, o seu desenvolvimento, e o atingimento da plenitude do seu ciclo vegetativo e padrão nutricional adequado. “Há uma série de implicações inclusive, além da ocorrência de doenças e pragas na pastagem. Seja de insetos e fungos”, detalhou, sobre a intolerância de determinadas forrageiras ao encharcamento.
“Tem sido muito complicado esses últimos anos, essas alterações climáticas têm lançados desafios para a cadeia produtiva em geral. A enxurrada levou a produtividade do solo para os rios”, afirmou.
O agrônomo e assistente técnico regional na Emater/RS-Ascar em Frederico Westphalen, Valdir Sangaletti, complementa dizendo que a atividade leiteira é bem desafiadora pelos extremos climáticos e também pela alternâncias das estações. Apesar disso, o segmento, ocupou quarto lugar na lista de principais produtos agropecuários do Rio Grande do Sul em 2023, com base no Valor Bruto de Produção VBP) divulgada na publicação Radiografia da Agropecuária Gaúcha, em 2024. A relação com dados atualizados do ano passado tem previsão de ser lançada na próxima Expointer 2025, entre o final de agosto e o início de setembro.
Para Sangaletti, na questão da alimentação das vacas, o produtor tem sempre que agir antecipando os problemas. “Fazer reserva de comida”, pontuou. Segundo ele, até mesmo as raças mais ambientadas em climas frios, como a Holandesa e a Jersey, necessitam em período de inverno de uma nutrição elaborada por profissionais e que seja composta por mais proteína e energia para assegurar a produção de leite. O agrônomo indica uma vigilância à saúde do rebanho, citando a mastite, que é a inflamação da glândula mamária causada por bactérias, e a ocorrência de desarranjo intestinal.
“O manejo e o bem-estar do animal é fundamental para a produção, independente da estação”, reforçou.
O fornecimento de água de qualidade para os animais foi outro cuidado orientado por Valdir Sangaletti. “Tanto no cocho, quanto no abrigo ou na lavoura, isso tem que se tornar um hábito. São aspectos que o produtor tem que observar. Não se pode pensar nessas estratégias só em função do excesso de calor ou de frio ou de chuva. Ele tem que se prevenir para enfrentar mais facilmente as adversidades climáticas”, aconselha. Nos últimos anos, lembra o assistente técnico, os criadores foram impactados pelas sucessivas estiagem na produção de alimentos o que também acarretou dificuldades justamente no guarnecimento de água em quantidade para as vacas.
Sangaletti esclarece, ainda, que os olhares dos produtores e da indústria são distintos sobre o que é o setor leiteiro.
“Nós (os criadores) temos que ser eficientes e competitivos. Trabalhar com dados e números que são o novo ‘petróleo’. Você tem que mensurar para poder qualificar o processo de tomada de decisão. E o que importa para o produtor? Saber quantos litros de leite sobra por dia por vaca na fazenda, na tua propriedade”, orienta, salientando a importância dessas informações para a atividade quando usadas para dentro da porteira.
Para ele, a gestão é como um guarda-chuva, um objeto de proteção que, neste caso, serve de metáfora para salvaguardar a contabilidade agrícola, os investimentos, a administração das pessoas e identificar o quanto sobra de lucro para a família na atividade.
Bem-estar de bezerras leiteiras aumenta se forem criadas em pares
Em parceria da PUC do Paraná, Universidade Positivo e Universidade de Valmont, dos Estados Unidos, estudo inédito concluiu que não isolar os animais favorece o desenvolvimento

Durante décadas, a separação individual de bezerras leiteiras foi uma medida recomendada como essencial para que se evitassem as doenças. Um estudo recente e inédito mostrou, entretanto, que colocar as recém-nascidas em pares na primeira semana de vida melhora o comportamento dos animais sem afetar a saúde e o futuro desempenho. O experimento foi conduzido por pesquisadores da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Universidade Positivo (UP) e Universidade de Vermont (EUA).
O professor do Programa de Pós-graduação em Ciência Animal da PUCPR, Ruã Daros, detalha que o estudo acompanhou 140 bezerras da raça Holandesa, em uma propriedade comercial no Paraná.
“O problema de fazer a separação da vaca e manter esses animais em isolamento no início da vida é que isso prejudica demais o desenvolvimento deles do ponto de vista da evolução comportamental, explicou.
Daros revela que as bezerras tardam a aprender a comer e não são muito ágeis em competir com outros ‘coleguinhas’ (da própria espécie). Segundo o pesquisador, na natureza os bovinos recém-nascidos são mantidos com as mães e com os outros bezerros (as) que nascem na mesma época do ano em “creches”.
Para o estudo, as exemplares foram pareadas e distribuídas em três grupos conforme a idade: sete dias (precoce), 30 dias (intermediário) e 50 dias (tardio). Foram acompanhadas da primeira semana de vida até o desaleitamento (a substituição total da dieta líquida por dieta sólida), aos 78 dias de vida. O acompanhamento incluiu observações diárias de comportamento, avaliações de saúde, consumo de alimentar e ganho de peso. “Não obtivemos nenhuma diferença entre incidência de doença. Tanto diarreia quanto doença respiratória, em 144 bezerras. Não é um estudo feito com poucos animais”, revela. Embora o peso final ao desaleitamento tenha sido semelhante entre os grupos, os animais do grupo precoce apresentaram maior uniformidade de peso — um indicativo de melhor adaptação alimentar.
Na segunda semana da pesquisa os animais já começaram a comer precocemente um pouco de ração.
“O que foi surpreendente foi o comportamental, pois ficaram muito mais ativos, do ponto de vista de bem-estar animal, porque isso está associado ao estado emocional positivo. Brincavam mais, passavam bem menos tempo no que chamamos de comportamento de ócio. Também ocorreu poucas vezes a mamada cruzada (quando um bezerro mama no outro), que é algo que ninguém deseja”, afirma.
Para Daros, esses resultados tem grandes possibilidades de serem muito semelhantes se o estudo for repetido com animais de outras espécies. “Teríamos apenas que adaptar algumas questões, por exemplo, do sistema de alojamento das bezerras”, conclui. Na fazenda onde o estudo foi conduzido são seguidas basicamente todas as recomendações de criação de bezerras de alto nível de bem-estar animal.
Com base nas conclusões, os pesquisadores envolvidos no estudo recomendam a adoção do alojamento precoce em pares como uma estratégia que pode aumentar o bem-estar e o desenvolvimento das bezerras leiteiras. “Essa prática pode ser um diferencial importante para produtores que buscam alinhar eficiência produtiva com as crescentes demandas do mercado por bem-estar animal”, frisaram os pesquisadores. Eles também salientaram a importância econômica e social da cadeia produtiva do leite, com mais de 1 milhão de propriedades leiteiras espalhadas por 98% dos municípios brasileiros.
O estudo When to pair: Effects of different pairing ages on dairy calf health, behavior and performance (Quando parear: efeitos de diferentes idades de alojamento em pares na saúde, comportamento e desempenho de bezerras leiteiras) foi publicado Journal of Dairy Science, em janeiro, e está disponível no link: https://doi.org/10.3168/jds.2024-25686
Homeopatia para tratar mastite
Doença comum entre os rebanhos leiteiros bovinos, a mastite é caracterizada pela inflamação bacteriana da glândula mamária das vacas, causada principalmente por bactérias. Sua ocorrência, inclusive, pode afetar a qualidade do leite. Na propriedade de Beatriz Sartori, em Liberato Salzano, a criadora da raça Holandesa resolveu experimentar um tratamento alternativo após ouvir relatos de outras produtoras e descobriu a homeopatia. Segundo ela, foi um divisor de águas e o que começou a partir da curiosidade virou rotina.
Beatriz resolveu testar a técnica em uma vaca com mastite.
“O resultado surpreendeu. Em uma semana os sintomas cessaram e começou a desaparecer a formação de novos grumos no leite”, explicou.
Segundo a produtora, o tratamento trouxe mudanças, inclusive, nos custos, resultando em economia, na comparação com os valores dos medicamentos da medicina veterinária tradicional. “Começamos a usar pingando algumas gotinhas três vezes ao dia, diretamente na boca das exemplares”, disse. Na segunda semana de experiência, passou a adotar a terapia de forma preventiva para todo o rebanho, de 68 animais.
Segundo o engenheiro Agrônomo-Assistente Técnico Regional na Emater/RS-Ascar em Frederico Westphalen, Valdir Sangaletti, a homeopatia também pode ser utilizada para o controle de carrapatos, uma das principais pragas da bovinocultura. Na região, sua aplicação teve início justamente contra o parasita. “É uma área muito interessante e rica em termos de resultados”, assegurou.
Plantas tóxicas são armadilha para búfalas no inverno

Pecuarista há mais de duas décadas, Guilherme Aydos, da Cabanha da Herdade, tem uma criação de búfalos em Gravataí, na Região Metropolitana de Porto Alegre. Aydos ressalta que a transição entre o outono e o inverno exige cuidados com as fêmeas bubalinas, frente ao vazio forrageiro, se assemelhando o que acontece com as bovinas, no que diz respeito ao déficit nutricional. “Um dos cuidados que precisamos ter é em relação a plantas tóxicas”, diz o produtor.
Segundo ele, nesse período, os animais podem ter acesso e consumir plantas que são consideradas pragas, como a maria-mole, mio-mio ou fedegoso, entre outras espécies vegetais. As bubalinas, assim como as vacas leiteiras também necessitam de mais energia para manter o corpo aquecido no inverno.
Na Cabanha da Herdade são criados animais de raça Murrah. Aydos esclarece que as búfalas, em geral, são mais resistentes do que as bovinas em vários aspectos. Contudo, na estação mais fria reduzem a entrada na água – no verão podem chegar a ficar seis horas parcialmente imersas em rios e lagos – e esse comportamento compromete as defesas do sistema imunológico e também as tornam mais sujeitas a sofrerem com o piolho Haematopinus tuberculatus, parasita que também é conhecido como piolho de búfalo.
Nas exemplares fêmeas a deficiência nutricional mais provável de ocorrer na transição entre o outono e o inverno também pode impactar a reprodução. A búfala é um pouco regulada pelo tamanho do dia, chamado de fotoperíodo (que se refere à duração do período de luz em um ciclo de 24 horas) e o natural seria entrar em receptividade sexual com o início do inverno, mas um problema nutricional pode atrasar ou prejudicar esse ciclo reprodutivo da búfala e, consequentemente, uma gestação.
Aydos conta que sua propriedade também sofreu algum impacto com a estiagem do último verão, afetando em 50% suas reservas.
“Não tive problema de comida, mas não consegui armazenar em campo o volume de pasto que eu gostaria”, explica.
O criador possui 35 animais, entre matrizes, novilhas de reposição e terneiros. De acordo com o produtor rural, o padrão médio das búfalas são 10 litros de leite ao dia, total de duas ordenhas. A proteína se caracteriza por apresentar coloração mais branca, sabor mais adocicado, maior teor de gordura mas menor colesterol. “É naturalmente A2 (proteína do leite que torna a bebida mais digestiva e que é definida pela genética do animal)”, conclui.
Fonte: Correio do Povo