Eficiência no campo é chave para produção de leite de baixo carbono
05 de junho de 2025

A pegada de carbono é um dos conceitos mais importantes atualmente para definir o impacto de uma atividade no meio ambiente. A partir da coleta de dados e do cálculo da pegada, é possível mensurar a quantidade de gases do efeito estufa (GEE) emitidos por uma atividade, produto ou organização.
No caso da pecuária leiteira, a emissão de gases está relacionada, principalmente, à fermentação entérica, ao uso de fertilizantes e ao manejo de dejetos, entre outros processos. Para reduzir esse impacto ambiental, a principal recomendação é tornar a produção mais eficiente.
O professor associado da Universidade de Copenhague, na Dinamarca, e doutor em Ciência Animal Luiz Gustavo Ribeiro Pereira é especialista em nutrição de ruminantes e mitigação de gases efeito estufa de origem entérica. Em entrevista à Revista Valor Cooperado, o professor explica a importância do cálculo da pegada de carbono para a pecuária de leite, a relação desse conceito com a eficiência da produção e as oportunidades da produção sustentável.
Revista Valor Cooperado: O que é pegada de carbono e como esse conceito se aplica à pecuária leiteira?

Luiz Gustavo Ribeiro Pereira: O leite é um alimento muito rico em proteína, energia, minerais e vitaminas, mas a produção emite gases que estão relacionados ao efeito estufa, isto é, são gases que se acumulam na atmosfera e funcionam como um cobertor que retêm o calor na terra. Os gases de efeito estufa mais conhecidos produzidos pela pecuária são o gás carbônico (CO²), o metano – que vem da fermentação das vacas -, e o óxido nitroso – que vem do uso dos fertilizantes e dos dejetos.
Para avaliar todos esses gases emitidos no processo da produção de leite, nós aplicamos uma metodologia chamada Avaliação de Ciclo de Vida, uma das variáveis geradas é a quantidade de gases de efeito estufa emitidos em relação ao produto, à unidade funcional, que nesse caso é um quilo de leite corrigido para proteína e gordura.
VC: Quais são as estratégias que permitem a mitigação da pegada de carbono?
Pereira: O principal ponto quando falamos de mitigação é que fazendas eficientes têm baixa pegada. O produtor de sucesso – que faz a escrituração zootécnica, que está bem amparado pelo Corpo Técnico de Assistência e que tem bons animais -, também tem uma fazenda com baixa pegada de carbono. Então a primeira estratégia é organizar a fazenda. Isso vai impactar positivamente tanto no bolso do produtor, quanto na pegada de carbono.
“O produtor de sucesso também tem uma fazenda com baixa pegada de carbono. Então a primeira estratégia é organizar a fazenda.” Luiz Gustavo Ribeiro Pereira, professor associado da Universidade de Copenhague, Dinamarca
Existem fazendas que já têm baixa pegada e que podem usar estratégias para conseguir baixar ainda mais, mas o primeiro passo é que a fazenda tenha muita eficiência para lançar mão dessa segunda bateria de opções para redução, o que inclui o uso de aditivos, óleos vegetais e outras possibilidades.
Antes disso, pode-se adotar estratégias como dietas de maior digestibilidade e pastos bem manejados, que vão impactar em dietas mais eficientes para serem metabolizadas, ou seja, dietas bem formuladas e balanceadas com boas opções alimentares também reduzem a emissão de metano. Além disso, se o rebanho estiver com muita mastite e fizermos um controle, aumentamos a produção e vamos ter também uma diminuição da emissão de metano. Então todas essas estratégias que estão relacionadas à eficiência das fazendas têm um impacto positivo para a pegada de carbono.
VC: No Fórum do Leite, realizado durante a 25ª Expodireto Cotrijal, foram apresentados resultados de um projeto piloto realizado em parceria com a Cotrijal para o cálculo da pegada de carbono em propriedades de produtores de leite associados à cooperativa. Qual o objetivo desse projeto?
Pereira: Nós fizemos um projeto piloto com a Cotrijal para avaliar sete fazendas. A intenção era mostrar que é possível utilizar ferramentas aceitas internacionalmente para o cálculo da pegada de carbono, nessa etapa entrou na parceria a ESGpec, uma startup mineira. O grande desafio no Fórum do Leite foi mostrar que a produção de leite bem feita, que está trazendo renda e felicidade, tem como resultado também a baixa pegada. E foi isso que nós mostramos: o resultado foi uma pegada média de 0,84, que é bem abaixo da média nacional, que está próxima de 2,0.

Estamos acostumados a medir produção de leite e lucratividade, mas temos que mostrar também a sustentabilidade, precisamos avaliar questões relacionadas ao meio ambiente. E, além da pegada de carbono, quando falamos em sustentabilidade, temos três aspectos: o econômico, social e o ambiental. Uma variável social muito importante é o bem-estar animal. E essas fazendas, que estão gerando lucro para essas famílias, também apresentaram uma avaliação de bem-estar animal muito elevada, então está tudo conectado. O trabalho bem feito, o arroz com feijão, o manejo de pastagem bem feito, a reprodução bem feita, tem como resultado baixa pegada. E animais bem tratados respondem com muito leite.
VC: Quais foram as ações adotadas pelas propriedades avaliadas que levaram a esse resultado de uma baixa pegada de carbono?
Pereira: Primeiro tem genética; segundo, tem manejo; e, o mais importante de tudo, tem gente envolvida que faz essa máquina toda funcionar – que de domingo a domingo, organiza a ordenha, que entrega para as vacas uma dieta bem feita, e que garante o bem-estar animal. Em todas essas fazendas, aproximadamente 50% dos animais eram vacas produzindo leite, o que é um índice bem interessante, isso dá mais de 84% das vacas em lactação em relação à vaca seca. Todas as fazendas tinham produtividade média próxima ou acima de 35 kg/vaca/dia.
Metade da pegada de carbono vem da fermentação entérica, então, a nutrição bem feita com muitos animais produzindo leite para diluir esse metano é muito importante. Outro ponto positivo das fazendas que avaliamos é que a maior parte delas contava com forragem de boa qualidade, o que reduz a demanda por concentrado, que traz uma pegada de carbono. Então, com menos concentrado, também tínhamos a redução da pegada. Além disso, mais da metade da energia gerada nessas fazendas era energia verde de placa solar.
Então estava tudo redondo, são fazendas eficientes que estão gerando lucro, causando baixo impacto ambiental e garantindo também a felicidade dos animais e das pessoas que trabalham ali. E os produtores puderam ver que, além de estarem gerando emprego, eles têm uma atividade que causa muito pouco impacto ambiental.
VC: Algum sistema de produção específico tem uma menor pegada de carbono? Além disso, o tamanho da propriedade também tem impacto no resultado?
Pereira: Nós temos fazendas de alta pegada e de baixa pegada independente do sistema adotado. Entre as sete avaliadas, tinha sistema a pasto, galpão, free stall, compost barn, e todas apresentaram pegadas baixas.
Também chegamos à conclusão, com essa avaliação prévia, que mesmo os produtores familiares, com fazendas menores, tiveram uma pegada de carbono abaixo de 0,8, o que é considerado uma fazenda muito eficiente de produção de leite de baixo carbono. Então quando o trabalho é bem feito, o leite é de baixo carbono, seja uma fazenda grande ou pequena.
VC: Quais são as oportunidades de mercado do cálculo da pegada de carbono e da mitigação para os produtores?
Pereira: Para mim, a região da Cotrijal tem muito crédito de carbono que vem de uma agricultura e pecuária bem feitas, que garantem um nível de matéria orgânica no solo, proteção e produção de alimento. A gente acredita que no futuro vai existir a possibilidade de comercialização desses créditos, mas por enquanto ainda não aconteceu. Então o primeiro passo é medir. As fazendas de baixo carbono podem ainda não estar ganhando dinheiro com créditos, mas vão ganhar dinheiro fruto do esforço dessa família e da equipe que está envolvida na produção eficiente que resulta no leite de baixo carbono.
“O interessante é que a pegada de carbono é uma variável que acumula o sucesso ou insucesso de tudo o que acontece numa fazenda leiteira. Ela funciona como o extrato da eficiência do produtor.” Luiz Gustavo Ribeiro Pereira, professor associado da Universidade de Copenhague, Dinamarca.
A tendência é de que ocorra um amadurecimento e de que as empresas e cooperativas comecem a fazer essa avaliação com o intuito de ter um produto diferenciado, que vai agregar valor. As variáveis ambientais estão cada vez mais compondo as bonificações, o que inclui qualidade de solo, manejo de água, eficiência no uso hídrico e a pegada de carbono. O interessante é que a pegada de carbono é uma variável que acumula o sucesso ou insucesso de tudo o que acontece numa fazenda leiteira. Ela funciona como o extrato da eficiência do produtor. Então o produtor que está ganhando dinheiro, ele também tem baixa pegada.
E a gente vê que a fazenda leiteira, além de ter um leite de baixa pegada, também pode contribuir para a preservação, para manter ou até aumentar a biodiversidade. Então a gente está de olho também na forma de quantificar esses serviços ecossistêmicos que uma fazenda leiteira pode entregar para a sociedade.
Fonte: Assessoria de Imprensa da Cotrijal