A entrada do Brasil na Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (CERN, na sigla em inglês) representa um marco histórico na ciência nacional, conforme especialistas. A confirmação dessa parceria ocorreu em 22 de março, dois anos após a assinatura do acordo com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI). O ingresso do Brasil encerra um processo iniciado em 2010, quando o centro abriu suas portas para países fora da Europa.
A expectativa é de que essa associação fortaleça a presença dos pesquisadores brasileiros no laboratório, abrindo espaço para empresas nacionais em editais e facilitando a transferência de tecnologias.
Situado na fronteira entre a Suíça e a França, o CERN foi estabelecido em 1954 como uma colaboração internacional envolvendo 12 países. Atualmente, o centro conta com 23 estados-membros plenos, oito associados (incluindo o Brasil) e dois observadores.
O que o CERN faz?
O CERN é o maior laboratório de física de partículas do mundo, conduzindo experimentos em colaboração com cientistas de diversos países.
O Grande Colisor de Hádrons (LHC) é a peça central dessa organização. Este acelerador de partículas é o mais poderoso já construído e foi responsável pela descoberta do bóson de Higgs, também conhecido como a “partícula de Deus”, em 2012.
Segundo Gustavo Gil da Silveira, professor do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e colaborador do CERN desde 2012, a missão do centro é ampliar a compreensão da constituição da matéria e das interações entre as partículas. O LHC atua como um gigantesco instrumento para colidir partículas minúsculas umas contra as outras, sendo a maior máquina já construída pelo homem para estudar a matéria.
O LHC é composto por um anel de 27 quilômetros de extensão, utilizando ímãs supercondutores e uma série de estruturas aceleradoras para aumentar a energia das partículas ao longo do percurso.
No LHC, são utilizados prótons para investigar suas interações quando colidem. Essas colisões produzem diversas partículas que ajudam os cientistas a estudar a natureza da matéria e a compreender como ocorreu o Big Bang bilhões de anos atrás.
O professor da UFRGS participa de projetos no detector CMS (Solenoide Compacto de Múons), que estuda o modelo padrão de partículas, dimensões extras e matéria escura.
De acordo com o governo federal, essa parceria com o laboratório permitirá que os pesquisadores brasileiros se candidatem a cargos temporários e programas de pós-graduação, além de terem acesso prioritário às instalações, oportunidades de trabalho, cursos e estágios científicos.
Os cientistas brasileiros têm participado dos experimentos do CERN desde a década de 1960, com cerca de 200 pesquisadores, engenheiros e estudantes brasileiros colaborando com o LHC. Além disso, os institutos brasileiros estão envolvidos em todos os principais experimentos do acelerador de partículas – Alice, Atlas, CMS e LHCb.
Impacto para o Brasil
Segundo o MCTI, o Brasil contribuirá com R$ 58 milhões anualmente para participar do centro, sem um prazo determinado. O status de membro permite que o país designe representantes para participar das reuniões do Conselho do Centro e do Comitê de Finanças, o que, segundo o ministério, ampliará a participação do Brasil nas estruturas e iniciativas.
Para a ministra de Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, essa colaboração possibilitará que o Brasil participe do desenvolvimento de tecnologias avançadas, especialmente com o LHC, abrindo portas para diversos campos do conhecimento resolver problemas práticos do dia a dia. Isso também pode contribuir para atrair e manter talentos no país.
Luciana Santos também destaca que essa parceria, somada ao Sirius, o acelerador de partículas localizado em Campinas (SP), posiciona o Brasil em um nível avançado de pesquisa científica global.
Benefícios para as empresas
Segundo Antônio José Roque, diretor-geral do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), o investimento anual de R$ 58 milhões no CERN representa uma oportunidade significativa para pesquisadores e empresas brasileiras, devido às possibilidades de transferência de tecnologia.
Roque ressalta que o CERN é uma instituição com grande experiência em aceleradores de partículas, e essa parceria permite ao Brasil acesso a tecnologias que demandaram investimentos muito maiores. Ele enfatiza que essa associação indica o compromisso do país com o investimento em ciência básica, essencial para desenvolver soluções a longo prazo.
A parceria também possibilitará que empresas brasileiras concorram a contratos com o CERN, em um mercado de licitações avaliado em US$ 500 milhões por ano, de acordo com o governo federal.
Gustavo Gil da Silveira destaca um exemplo dos benefícios esperados para a indústria nacional com o investimento em pesquisas de física de partículas. Pesquisadores da UFRGS buscam estabelecer uma parceria com uma empresa para fornecer diamantes artificiais, necessários para a construção de sensores ultrarrápidos capazes de realizar medidas em trilionésimos de segundo, necessários para experimentos no LHC. Essa colaboração também visa capacitar estudantes para continuarem esses estudos no futuro, consolidando projetos de longo prazo com a participação do setor privado e a formação de pesquisadores altamente qualificados.