Impactada por excesso de chuvas, por período insuficiente de baixas temperaturas e por intervalos de calor extremo no inverno, a safra gaúcha de pêssegos em 2024 deverá, no máximo, ser igual à de 2023. No ano passado, de acordo com a Emater/RS-Ascar, o Rio Grande do Sul colheu 130,8 mil toneladas da fruta, somando as variedades de mesa, destinadas ao consumo in natura, e aquelas para finalidade industrial ou, basicamente, de conserva enlatada.
A projeção foi apresentada por produtores das duas principais regiões que se dedicam à cultura no Estado (e no país), Pelotas e Pinto Bandeira, por fruticultores de Porto Alegre, e confirmada pela Embrapa Clima Temperado, localizada em Pelotas.
Em 2023, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Estado respondeu por 65,1% da produção nacional de pêssegos, seguido por São Paulo, Santa Catarina, Minas Gerais e, com resultados bem mais modestos, Espírito Santo. Os dados do instituto apontam que o percentual da participação gaúcha tem se mantido praticamente o mesmo desde 2020. A previsão era de que a safra de 2024 superaria a do ciclo anterior, mas os fenômenos climáticos ocorridos ao longo do ano afetaram os pomares tanto da Região Sul quanto do Sudeste.
“Teve uma quebra de safra generalizada. Teve quebra em Santa Catarina, teve quebra no Paraná, teve quebra em São Paulo e teve quebra em Minas Gerais. Do Paraná para cima, todos os estados produtores tiveram quebra em função de seca excessiva”, diz a engenheira agrônoma e presidente da Associação dos Produtores de Frutas de Pinto Bandeira (Asprofruta), Rubiane Da Campo Rubbo.
Os efeitos do clima variam entre as regiões e “depende muito do estágio de desenvolvimento da fruta ou da flor”, de acordo com Maria do Carmo Raseira, pesquisadora da Embrapa Clima Temperado. “Santa Catarina perdeu por geada na flor, em alguns locais”, exemplifica a pesquisadora, que estuda a cultura no Brasil há mais de 50 anos. “É uma paixão”, revela.
Lavoura delicada, o pessegueiro sofre com a falta ou excesso de frio, com a falta ou excesso de calor e também com as variações extremas de temperatura, como tem ocorrido, nos últimos anos, no Rio Grande do Sul. “No início de agosto, tivemos calor. Depois, na metade do mês, foi para próximo de zero. Essa oscilação muito grande, em poucos dias, prejudica a planta, pois não está se aclimatando aos poucos para que venha o frio”, explica Maria do Carmo.
A boa notícia é que os estragos causados pelo clima predominaram sobre as variedades de pêssego consideradas precoces (veja infográfico na próxima página), cujo início de maturação se prolonga até meados de novembro e que exigem um período menor de exposição às baixas temperaturas. As variedades de meia estação e tardias estão preservadas, até o momento. Foram as precoces que mais sofreram com a queda dos termômetros em agosto, como salienta Maria do Carmo. Já os dias chuvosos e os longos períodos de céu encoberto podem comprometer a qualidade da fruta, principalmente o teor de açúcar.
Conforme a pesquisadora, os problemas mais graves foram registrados nos estados produtores do Sudeste. Em Jundiaí (SP), por exemplo, a colheita deveria ter começado no final de setembro, mas assolada pelo calor e pela seca, a exemplo do que ocorreu no Rio Grande do Sul em 2022, sofreu queda de até 70% em algumas propriedades.
Pelotas e Pinto Bandeira lideram a produção
Apesar da participação expressiva no setor, área e número de agricultores dedicados à cultura do pêssego têm diminuído a cada ano nas duas regiões, com produtores migrando para outras culturas, como a da uva
Os municípios de Pelotas e Pinto Bandeira são os maiores produtores de pêssegos no Brasil. Em Pelotas, na zona sul do Estado, 95% da colheita é destinada à indústria, para oferta da fruta em conserva enlatada. Em Pinto Bandeira, na Serra Gaúcha, ao contrário, predomina o pêssego de mesa. Nos dois municípios, no entanto, ocorre a mesma situação de perdas provocadas pelos fenômenos climáticos de 2024, a debandada de produtores envolvidos com a atividade e a redução da área dedicada à cultura.
Os pomares da região de Pelotas somaram 25 mil toneladas de pêssegos no ciclo anterior, de acordo com a Emater/RS-Ascar. A safra contempla principalmente as variedades Bonão e Citrino, de película amarela e cuja colheita coincide nos primeiros dias de novembro. “A previsão de safra é muito parecida com a do ano passado. A gente tinha uma previsão de que fosse de 15% a 20% maior, mas teve algumas variedades que caíram assim que estava formando o fruto”, disse Adriano Bosenbecker, recém-empossado presidente da Associação dos Produtores de Pêssegos de Pelotas.
Na edição do último dia 24 do Informativo Conjuntural, a Emater/RS classificou a queda dos frutos como “grande” e apontou “as condições climáticas, além de frutos danificados pelo frio”, como uma das causas do fenômeno. “Nesse ano, o clima dificultou bastante. Foi muita chuva e pouco sol. Os dias sem chuva eram nublados. Isso acaba prejudicando a saúde da fruta, o tamanho e, principalmente, a qualidade”, explica Bosenbecker. “A Região Sul do Rio Grande do Sul tem capacidade para produzir 50 milhões de latas de pêssegos, mas ultimamente tem sido em torno de 30 milhões”, diz a pesquisadora da Embrapa Clima Temperado Maria do Carmo Raseira.
A queda na produção da fruta, ocorrida desde 2021, também tem origem, de acordo com o presidente da associação, na redução dos pomares, o que se expressa tanto no número de fruticultores envolvidos quanto na área dedicada ao plantio dos pessegueiros. Hoje, de acordo com Bosenbecker, cerca de mil produtores atuam na região. “Eram 1,2 mil. Teve uma debandada”, salienta. Quanto à extensão da cultura, o dirigente diz ter uma estimativa indicando que a cada cinco anos, 20% da área diminui, não só no Brasil, mas no mundo.
O aborto de frutas, e também de flores, foi igualmente registrado em Pinto Bandeira, como revela a presidente da Associação dos Produtores de Frutas (Asprofruta), Rubiane Da Campo Rubbo. O município da Serra Gaúcha comemorou a abertura da colheita do pêssego no dia 26, com uma diminuição significativa das “frutas do cedo”, como se refere a engenheira agrônoma às variedades precoces. “As frutas do final de novembro, de dezembro, vamos ter uma safra normal, com um volume similar ao do ano passado, um pouco maior talvez, dependendo das condições climáticas até a colheita”, afirma.
Além do impacto direto nos pessegueiros, as fortes chuvas de abril e maio provocaram ainda deslizamentos em encostas do Rio das Antas, atingindo justamente os pomares das precoces. Rubiane destaca, porém, que Pinto Bandeira é pouco dependente destas variedades, embora haja na região um crescimento considerável de pomares de Kampai, umas das mais tardias variedades “do cedo”.
A redução da área dos pomares na região “tem diminuído lentamente, mas tem diminuído”, afirma Rubiane. A presidente aponta um elenco de problemas para explicar a migração para a viticultura, com foco na produção de vinhos e espumantes. “Tem a dificuldade da fruta, que é extremamente perecível, e os problemas climáticos em anos sucessivos, ano com seca, ano com muita chuva, anos de muita dificuldade de produção, que afetam a qualidade do fruto”, diz. Outro fator seria a mão de obra, que exigiria esforços especiais para ser administrada. “As pessoas trabalham expostas à chuva, ao sol. Não têm como se proteger. Temos de fazer o que tem de ser feito ao longo de todo ano, independentemente do clima, e não é só na colheita, que é totalmente manual”, esclarece. Para completar, a colheita em Pinto Bandeira se dá simultaneamente às festas de final de ano. “Acaba que dá mais pressão. A colheita não pode falhar. Falhou, perdeu”, resume a dirigente da Asprofruta.
Feira do pêssego a partir de segunda
Tem início nesta segunda-feira, dia 4, em Porto Alegre, a tradicional Feira do Pêssego. O evento ocorre até o dia 30 de dezembro, no Largo Jornalista Glênio Peres, no Centro Histórico, com funcionamento das 6h às 20h. A feira é promovida pelo Sindicato Rural e pela prefeitura municipal. A permanência dos produtores no local poderá ter o alvará estendido até fevereiro, para contemplar também a venda de ameixas e uvas, conforme informou Giordana Piber, secretária do sindicato.
Entre as capitais brasileiras, Porto Alegre se destaca pela fruticultura e, mais especificamente, pela produção de pêssegos. “Somos a capital do pêssego”, diz Giordana. De acordo com dados do sindicato, divulgados pela prefeitura, a região produziu 170 toneladas de pêssegos em 2022, superando as 155 toneladas de 2021. Ainda assim, a exemplo do que ocorre em Pinto Bandeira, na Serra Gaúcha, e em Pelotas, na Região Sul do Estado, municípios que lideram a colheita nacional da fruta, o segmento vem reduzindo de tamanho a cada ano.
“Diminuiu muito a produção. O clima não ajuda e o pessoal acaba indo para a bergamota, de manejo mais fácil”, afirma Giordana, que administra com o pai uma área de 10 hectares no bairro Campo Novo, na Zona Sul da cidade.
A própria Giordana está entre os produtores que trocaram os pomares de pêssego ou, pelo menos, parte deles, pela tangerina do tipo ponkan. Ainda assim, ela consegue ofertar aproximadamente 10 toneladas de pêssegos a cada ano, nas variedades Kampai, Beach e Rubimel, colhidos dos cerca de 2 mil pessegueiros da propriedade. A ponkan, por sua vez, soma três mil pés. A família dedica-se ao cultivo do pêssego há 58 anos. “O pêssego já foi nosso carro-chefe”, admite a fruticultora.
De acordo com Giordana, a colheita das frutas já teve início na capital, com os pêssegos sendo entregues à Central de Abastecimento do Rio Grande do Sul (Ceasa/RS). Considerando os preços do último dia 28, o quilo do pêssego na Ceasa varia de R$ 5 a R$ 13, ficando, em média, em R$ 9.
Fonte: Correio do Povo