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50 anos do Proálcool: Cereais devem reforçar produção de etanol no RS

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24 de novembro de 2025

50 anos do Proálcool: Cereais devem reforçar produção de etanol no RS
Usinas de etanol de milho são a principal fonte de produção de álcool nos EUA
Foto : Jim Parkin / shutterstock

Meio século depois de o Brasil reagir à crise do petróleo criando o ProÁlcool, o etanol volta ao centro da agenda. Porém, agora não é por causa da escassez de combustível fóssil, mas pela necessidade de descarbonizar a matriz e disputar mercados na corrida mundial da transição energética. O Brasil, segundo maior produtor de etanol do mundo (atrás apenas dos Estados Unidos) alcançou em 2024 sua maior oferta história do combustível, 37 bilhões de litros. A alta foi de 4,2% em relação ao ano anterior, segundo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).

A União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica) estima que, do total produzido, 29,1 bilhões de litros são derivados de cana-de-açúcar e 8,2 bilhões de litros de milho. A participação do Rio Grande do Sul neste cenário ainda é modesta, cerca de 2 milhões de litros de etanol hidratado. Contudo, a expectativa é de expansão devido à inauguração da primeira planta de etanol de trigo em Santiago e à previsão de operação da Be8 Ethanol, em Passo Fundo, que processará trigo, mas também poderá trabalhar com milho e outros cereais. Nos EUA, por exemplo, as usinas de etanol de milho são a principal fonte de produção de álcool do país.

Com a possibilidade de aumento de demanda de grãos a serem usados nessas unidades gaúchas, os produtores estão vislumbrando um novo momento no Estado. O assistente técnico em culturas da Emater Alencar Rugeri avalia que o incremento das energias renováveis é irreversível e os produtores são atores importantes deste cenário. “O Rio Grande do Sul já tem experiência no biocombustível. Tendo o elo que compra, os outros se movem neste sentido. Tudo vai depender da remuneração”, observa. Com o avanço da demanda, a produção deve acompanhar, desde que o preço compense.

Um estudo estratégico sobre biocombustíveis publicado pelo Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), em outubro deste ano, estima um aumento do consumo do etanol em 41% até 2034, principalmente por causa da competitividade em relação à gasolina. Porém, o documento ressalta que as monoculturas voltadas à exportação podem expor o setor a vulnerabilidades associadas às dinâmicas do mercado internacional, como oscilações nos preços de commodities. A consequência seria a priorização das exportações em detrimento do abastecimento interno, pressionando os valores.

Outro reflexo desse contexto é a tendência de expansão de novas fronteiras agrícolas. Rugeri destaca que a necessidade de insumos para a produção do combustível pode aumentar o percentual de áreas com duas safras por ano. “É um ganha, ganha”, ressalta, lembrando das vantagens para o Estado e para os novos negócios. “Tenho muita esperança”, afirma.

Excedente da produção

A produção de combustível é tratada como uma das saídas para destino do excedente da produção. A safra de arroz 2024/2025, por exemplo, foi de 14 milhões de toneladas. Já o consumo se aproxima de 12 milhões de toneladas no país, conforme o presidente do Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga), Eduardo Bonotto.

“Temos discutindo dentro da entidade a possibilidade de utilização do arroz na sua forma derivada para ver se conseguimos destinar um pouco desse excesso de produção que nós possuímos no país e aqui no Rio Grande do Sul, que é responsável por 70% do total”, afirma.

Ele informa que é estudado o uso do cereal para a usina em Santiago, por exemplo. “Nossos técnicos de pesquisa e melhoramento estão entendendo melhor e salientaram que o arroz deixa um residual de ótima qualidade.” A ideia é visitar outras unidades no Estado e buscar estudos internacionais sobre o assunto, principalmente da China e do Japão, que já têm experiências no processamento. “São exemplos de alternativas que nós temos hoje em relação à utilização do arroz, não só para o consumo no dia a dia, mas também para uso de forma derivada. A gente pode utilizar o produto para buscar o equilíbrio de todo esse processo.”

Tudo isso deve garantir oferta de matéria-prima para a produção de combustível, com o Rio Grande do Sul sendo uns dos protagonistas para diversificar o uso de grãos no Brasil e auxiliar na transição energética. O Estado, portanto, garante seu lugar, cinco décadas depois do primeiro programa de incentivo ao uso de álcool no país.

Após 50 anos, programa é avaliado como positivo

O álcool é usado como combustível no Brasil há exatamente um século. Segundo pesquisa do adjunto de Comunicação e Negócios na Embrapa Agroenergia José Manuel Cabral, uma corrida, em 1925, no Rio de Janeiro, contou com a participação de um Ford, usando álcool etílico a 70%. Anos depois, um decreto obrigou os importadores a colocar 5% de etanol na gasolina em 1931. Hoje, por exemplo, o percentual já está em 30% e não se descarta incrementar ainda mais a parcela do etanol no produto vendido ao consumidor final brasileiro.

“Os biocombustíveis estão presentes na sociedade brasileira há muito tempo”, afirma Cabral, ao lembrar que o álcool ganhou importância estratégica, nos anos da Segunda Guerra Mundial, diante das dificuldades de importação de petróleo, que dificultavam a produção de gasolina em território nacional.

“Durante várias décadas, o Brasil considerou o etanol como um ‘subproduto’ do açúcar, sujeito às flutuações do mercado internacional deste último. O país poderia ter aproveitado o esforço empreendido durante a Segunda Guerra e desenvolvido a indústria do etanol independente do açúcar (destilarias autônomas) o que lhe teria dado posição de destaque no mercado internacional muitos anos antes do Proalcool”, avalia. Ele cita o Programa Nacional do Álcool, criado em 1975, época em que o país era quase totalmente dependente da importação de gasolina. Pelo menos, até 1985, foi bem sucedida a estratégia que reunia incentivos fiscais e financiamentos com juros baixos, além de instalação de destilarias para produção junto às usinas de açúcar.

Para o diretor técnico do Ineep, Mahatma Ramos dos Santos, durante o Proálcool, o Estado brasileiro construiu e produziu um arcabouço regulatório e um sistema de políticas públicas de incentivo à produção e consumo de bioinsumos e biocombustíveis que hoje transformaram o Brasil em um dos três maiores produtores do mundo ao lado dos Estados Unidos e da Índia. “Foi uma política pública que tinha, na sua origem, uma preocupação em redução da dependência brasileira de importação de derivados de petróleo e da exposição e da economia brasileira à volatilidade dos preços no mercado internacional. Resultou em um processo de ampla descarbonização da matriz energética brasileira que possibilita hoje o Brasil ter uma das matrizes energéticas mais limpas, mais renováveis do mundo.”

A popularização dos veículos com motores flex-fuel foi mais uma contribuição para o uso do etanol. No entanto, em 2008 a crise financeira internacional inverteu a tendência de crescimento na produção de etanol. Fora isso, a contenção dos preços de derivados de petróleo para barrar a inflação comprometeu a competitividade do etanol hidratado frente à gasolina, o que motivou decréscimo acentuado de demanda, ainda segundo Cabral.

Sobre as perspectivas para uma ascensão do álcool nos próximos anos, Cabral salienta que o Brasil tem diversas frentes de inovação em relação ao etanol (e a outros biocombustíveis), incluindo o uso do milho e de outros cereais (como o trigo e o sorgo, por exemplo), a utilização de capins e biomassa para produção de etanol celulósico (segunda geração, 2G), a busca de enzimas e microrganismos na biodiversidade brasileira que melhorem os processos produtivos, a integração do etanol e dos subprodutos da produção na economia circular”, avalia.

Escolhas internas devem influenciar na independência

A demanda estadual de etanol é de aproximadamente 1 bilhão de litros por ano, sendo que a disponibilidade regional é ainda insuficiente e a maior parte é comprada do Sudeste, segundo o pesquisador da Embrapa Agroenergia, Rodrigo Fragoso. Ele aponta que, como o Rio Grande do Sul não é um produtor de cana-de-açúcar, base tradicional do álcool, ainda há dependência de outras regiões, gerando custo logístico de transporte, o que torna o etanol menos competitivo em comparação com a gasolina.

Por esse motivo, há vantagem em apostar na fabricação local. Resolvendo a questão do transporte, o álcool fica mais atrativo, já que um litro tem custo menor do que um litro gasolina, conforme o professor de economia da PUCRS Adalmir Marquetti.

O engenheiro especialista em sistemas de energia Odilon Francisco Pavón Duarte, que é vice-coordenador PDI do Sindienergia-RS, também ressalta as vantagens da aposta no combustível renovável. Avaliando a expectativa de uso de cereais no RS, avalia que o etanol é um biocombustível que reduz as emissões de CO2 ao substituir combustíveis fósseis nos transportes e pode integrar cadeias energéticas renováveis (veículos leves, aviação sustentável e cogeração em usinas), atuando como ponte na transição para eletrificação e o hidrogênio verde. “O etanol no Rio Grande do Sul está em fase de expansão e diversificação”, explica.

Desafios

Ele alerta, entretanto, sobre alguns desafios. “Exige logística eficiente para viabilizar custos”, exemplifica sobre o fornecimento de insumos, acrescentando ainda as adaptações necessárias para a infraestrutura e integração em usinas, formação de cadeias regionais e certificação de sustentabilidade.

Ele sugere incentivo da produção regional, com linhas de crédito e apoio técnico para novas usinas. “Criar critérios rigorosos de sustentabilidade e rastreabilidade para acesso a mercados de baixo carbono”, afirma, lembrando que é necessário fomentar a capacitação e a infraestrutura (armazenagem, transporte e distribuição) para viabilizar escala e competitividade. O professor sugere também, entre outros pontos, mapear e consolidar a oferta de resíduos agrícolas localmente para formar clusters de fornecimento, além da formação de parcerias entre universidades, centros de pesquisa e empresas para transferência tecnológica e capacitação. Para ele, estruturar incentivos fiscais ou contratos que reduzam risco inicial do investidor e garantam demanda mínima para manter os elos ativos, podem assegurar a permanência da cadeia.

Mercado global

O combustível tem aparecido no debate da política protecionista adotada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. O país é o principal produtor de etanol de milho do mundo e enfrenta dificuldade para escoar o produto. Entre as justificativas de Trump para o tarifaço aos produtos provenientes do Brasil, estava a taxação brasileira de 18% sobre o etanol americano.

À medida que haja expansão nacional da produção, o país fica em posição de conflito com o mercado americano, mas avança para a independência energética. Pensando nisso, Marquetti explica que a oferta de álcool para abastecer o mercado nacional reduz o consumo interno de petróleo e a necessidade de importação de combustível fóssil, aumentando assim “a nossa capacidade de exportar petróleo, economizado ou gerando dólares”.

O diretor técnico do Ineep, Mahatma Ramos dos Santos, concorda que os biocombustíveis podem ser um elemento importante de redução da dependência brasileira da importação de derivados de petróleo. “Um importante impulso para descarbonização da nossa matriz energética, mas nós não avaliamos que, no curto prazo ou no médio prazo, eles vão ser uma alternativa para essa redução ou para o alcance da autossuficiência do Brasil no abastecimento do mercado nacional de derivados”, pondera.

Outra competição que se apresenta é em relação à alimentação. Sobre isso, o chefe adjunto de Comunicação e Negócios na Embrapa Agroenergia, José Manuel Cabral, destaca que a produção de biocombustíveis não compete, nem prejudica, a de alimentos. “Isso é muito importante e pode ser demonstrado com números e indicadores. E, evidentemente, a análise do ciclo de vida do etanol (produzido por qualquer rota) demonstra que esse biocombustível diminui entre 70% e 80% a emissão de Gases do Efeito Estufa (GEE) quando comparado aos combustíveis fósseis que são substituídos por ele.”

Fonte: Correio do Povo