Doença da banana desafia pesquisadores
27 de setembro de 2025

A banana, presente diariamente na mesa de milhões de brasileiros, é também a base de sustento de milhares de famílias no Rio Grande do Sul. No Estado, a cultura está fortemente enraizada no Litoral Norte e em áreas da Serra, se consolidando como uma atividade relevante em termos socioeconômicos e ambientais. Mas o futuro da bananicultura gaúcha enfrenta um risco silencioso, com doenças fúngicas que podem comprometer lavouras inteiras e causar prejuízos significativos às propriedades que cultivam a fruta.
Nos últimos anos, o temor dos produtores se concentra na chamada Murcha de Fusarium, conhecida também como Mal-do-Panamá. A doença fúngica, que não tem controle químico e pode levar à morte da planta em questão de meses, já convive há décadas com os agricultores gaúchos em sua forma menos agressiva, conhecida como “raça 1”.
Há, porém, uma variante ainda mais perigosa. A raça 4 tropical (R4T) avança sobre a América Latina e ameaça cruzar a fronteira brasileira. “É uma doença extremamente perigosa, pois ataca qualquer tipo de bananeira e conduz à morte da planta em poucos meses. Não há controle químico para essa doença e a única alternativa é deixar de cultivar a fruta, isso em um cenário onde não se tem uma cultivar resistente, o que não é mais o caso”, alerta o pesquisador da Embrapa Mandioca e Fruticultura Edson Perito Amorim. Para o especialista, a entrada da R4T no Brasil teria um impacto “catastrófico” na cadeia produtiva nacional.
O risco não é pequeno. Países produtores da América Latina, como Colômbia e Peru, já confirmaram casos da fusariose tropical. O Brasil, até o momento, está livre da praga, mas o especialista reforça que a chegada é apenas uma questão de tempo. Caso isso ocorra, a bananicultura gaúcha — baseada quase integralmente na cultivar Prata-Anã (na foto) — poderia ter a atividade afetada gravemente.
No meio das ameaças, entretanto, há boas notícias. A Embrapa já desenvolveu e colocou à disposição três cultivares resistentes à Murcha de Fusarium, inclusive à temida R4T. São elas a BRS Platina, a BRS Princesa e o híbrido Embrapa 2, ainda em fase de finalização, mas com previsão de lançamento comercial em 2026.
“Em parceria com uma instituição da Colômbia, chamada AgroSavia, a Embrapa testou essas três cultivares para saber se sobrevivem na presença de R4T, o Mal-do-Panamá e, felizmente, as três são resistentes. É uma notícia fantástica para a segurança dos produtores brasileiros na eventual entrada dessa terrível doença no país”, afirma Amorim.
Entre as cultivares resistentes à R4T, o pesquisador explica que o híbrido Embrapa 2 é muito similar à Prata-Anã ou Branca, como é conhecida no Rio Grande do Sul. Ele lembra que a cultivar está em testes em mais de 100 hectares e fazendas do Norte de Minas Gerais, com excelentes resultados. “Mais de 50 toneladas da fruta já foram comercializadas por lá, sem qualquer problema com o consumidor. Esses resultados são muito promissores para essa nova cultivar. Esperamos que ela se desenvolva muito bem no Estado também”, ressalta.
Pesquisa extensa
O processo de pesquisa, no entanto, é longo. Em média, são necessários cerca de sete anos entre o desenvolvimento de uma cultivar e sua disponibilização ao produtor. Durante esse período, as variedades passam por testes de campo, avaliação de mercado e adaptação a diferentes regiões do país. “Lembrando que nossas bananas não são transgênicas, são produzidas por processos naturais, como ocorreram há muito tempo quando as bananas passaram a ser consumidas pelos humanos”, detalha.
Amorim acrescenta que, no caso do Mal-do-Panamá, o uso de cultivares resistentes é a única alternativa atual para seguir produzindo banana. “Sem a existência de cultivares resistentes ao R4T, que não temos no Brasil ainda, o risco de termos desabastecimento da fruta nos mercados e o aumento considerável nos preços são uma realidade que se apresenta. Por isso, a Embrapa trabalha com genética em banana, para mantê-las a salvo do Mal-do-Panamá”, justifica.
Por fim, o pesquisador afirma que os ótimos resultados obtidos com as cultivares são possíveis em razão de um árduo trabalho realizado no país.
“O Brasil está na vanguarda no que diz respeito aos trabalhos com o Mal-do-Panamá. Hoje, nós somos um dos poucos, ou talvez até o único país do mundo que tem cultivares resistentes ao R4T. Isso permite que o Brasil consiga seguir produzindo banana, mesmo em uma eventual entrada da catastrófica doença. Estamos seguros, graças ao trabalho da Embrapa”, conclui Amorim.
Sigatoka-negra também afeta o Estado

Enquanto o trabalho avança na resistência ao R4T e a doença permanece longe do território gaúcho, os agricultores do Estado convivem com outros desafios. Além da fusariose (raça 1), que já circula no Estado, há registros crescentes da Sigatoka-negra, uma doença foliar também causada por fungo. No entanto, a realidade gaúcha ainda é menos severa do que em outras regiões do Brasil.
Conforme o gerente-técnico da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Rio Grande do Sul (Emater/RS-Acar), Luís Bohn, enquanto em outras regiões do Brasil o controle da Sigatoka exige até 20 pulverizações por ano, no Rio Grande do Sul, em média, quatro aplicações já são suficientes. Desta forma, no Estado não há grande incidência da doença. “Por isso que a nossa região também é bastante demandada para a produção orgânica, usando fungicidas de menor impacto. Desta forma, atendemos a demanda cada vez maior de produção orgânica”, explica.
Proteção ambiental
Bohn destaca que a bananicultura no Rio Grande do Sul tem uma importância que vai além do aspecto econômico. Por se tratar de uma cultura perene, a banana exerce um papel relevante na proteção ambiental. Isso possibilita a combinação entre renda e conservação, que ajudam a explicar por que a banana é considerada estratégica para as propriedades da agricultura familiar. De fácil comercialização, o fruto tem grande aceitação no mercado interno e garante estabilidade econômica aos municípios onde a produção tem força.
A relevância da bananicultura no Rio Grande do Sul também se expressa no papel que exerce na vida social e econômica dos municípios do Litoral Norte e de parte da Serra. Segundo Bohn, em várias cidades, a fruta está diretamente ligada à prosperidade regional, sendo a principal fonte de renda para muitas famílias do campo.
“Em muitos destes locais, a banana é a fonte de renda mais proeminente no aspecto econômico, mas a bananicultura da nossa região também representa um sistema socioambiental consolidado”, garante Bohn.
O mercado, no entanto, segue como um dos principais desafios. Por se tratar de uma planta tropical, a banana encontra condições de maior produtividade em regiões mais quentes do país, o que torna a competição desafiadora para os agricultores gaúchos. A menor escala de produção e a sazonalidade imposta pelas baixas temperaturas acabam elevando custos e, em certos períodos, comprometendo a aparência da fruta. Ainda assim, o gerente-técnico ressalta que houve um avanço importante na qualidade da banana gaúcha, que hoje consegue competir com a produção de outros estados.
No manejo das lavouras, a raça 1 da fusariose continua sendo a principal preocupação. A doença, presente em praticamente todos os bananais do Estado, exige cuidados rigorosos para que não avance de forma agressiva. “O que permite conviver com ela é a combinação de três frentes: a sepse, o manejo adequado e a observação atenta das variedades. Isso garante que possamos manter a produção mesmo com a presença da doença”, explica.
Nos últimos anos, a aposta em bioinsumos vem ganhando força como alternativa de manejo. O controle biológico, com o uso de condicionadores de solo de base biológica, tem apresentado resultados considerados promissores pela Emater/RS, no enfrentamento à fusariose.
Para Bohn, a integração entre pesquisa, extensão rural e produtores será decisiva para que a cadeia produtiva siga resistindo às pressões impostas por doenças e pelo mercado. “Para qualquer cultura, a questão da virulência ou patogenicidade é um desafio constante. Todas as culturas têm que se prevenir em relação à ocorrência de doenças, porque a própria natureza cria suas resistências, suas variedades e suas raças novas que podem, justamente, romper aquilo que está sendo adotado em relação à sua convivência, seu manejo e seu controle”, ressalta.
Luís Bohn ressalta ainda que a estrutura de extensão rural no Rio Grande do Sul, aliada ao trabalho de pesquisa da Embrapa, é o que assegura a confiança aos agricultores diante da ameaça da fusariose raça 4. Ele destaca que o Brasil está entre os poucos países do mundo que desenvolvem melhoramento genético em bananas, o que coloca a produção nacional em posição de destaque. “Enquanto tivermos investimentos e essa integração entre pesquisa, extensão e agricultores, teremos condições de resistir às pressões causadas pelas doenças e manter a sustentabilidade da bananicultura”, afirma.
A proximidade com a Embrapa Mandioca e Fruticultura é outro ponto ressaltado. Todos os anos, representantes da instituição participam de encontros e dias de campo promovidos no Rio Grande do Sul, além de receberem materiais enviados pelos técnicos da Emater para subsidiar novas pesquisas. Essa troca, segundo Bohn, garante que os agricultores gaúchos estejam sempre informados sobre os avanços e preparados para adotar alternativas quando necessário.
Conservadorismo
Ainda assim, a introdução de novas variedades enfrenta resistência entre os produtores. O gerente-técnico explica que a bananicultura gaúcha é marcada pelo conservadorismo, em grande parte devido às características climáticas e às exigências de mercado. Atualmente, entre 85% e 90% dos pomares do Estado são formados pela cultivar Prata-Anã, considerada mais adaptada à realidade local. Outras variedades, como a Cavendish e a Nanica, estão presentes em menor escala.
Essa predominância, aponta Bohn, se deve tanto à adaptação ao clima quanto à aceitação comercial. “O produtor gaúcho é muito cauteloso. Mesmo quando apresentamos alternativas da Embrapa, há resistência”, observa. Por isso, as novas cultivares ainda ocupam áreas pequenas, em caráter experimental, mas já começam a chegar ao consumidor misturadas ao padrão comercial da banana Prata, sem distinção.
Na avaliação do especialista, a postura conservadora não significa falta de inovação, mas sim uma estratégia de cautela diante dos riscos climáticos e das oscilações do mercado. A aposta, portanto, está na observação constante da atividade e na preparação para o futuro. “Temos um pacto entre agricultores, pesquisa e extensão, diante da potencial ameaça de várias situações, de estarmos atentos e de observarmos variedades alternativas. É uma observação constante, para caso haja essa necessidade”, complementa.
Fonte: Correio do Povo