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Cientistas descobrem evidência mais antiga conhecida de mumificação humana

Mundo

16 de setembro de 2025

Cientistas descobrem evidência mais antiga conhecida de mumificação humana
Datado de cerca de 7.000 anos atrás, o esqueleto fortemente dobrado de um jovem (à esquerda) foi encontrado no sítio arqueológico de Liyupo, no Condado de Longan, em Guangxi. O crânio estava parcialmente queimado
Foto: cortesia de Hsiao-chun Hung/Hirofumi Matsumura/Universidade Nacional Australiana

Caçadores-coletores em partes da Ásia antiga preparavam seus mortos para o enterro por meio da defumação há até 14.000 anos, resultando na evidência mais antiga conhecida de mumificação humana, segundo uma nova análise de dezenas de sepultamentos.

Povos em todo o mundo praticaram a mumificação, ou seja, a preservação de restos orgânicos, usando diversas técnicas — incluindo calor, fumaça, sais, congelamento e embalsamamento — para retirar a umidade dos tecidos moles do corpo e evitar a decomposição.

Os restos encontrados na China, no Vietnã e na Indonésia que os cientistas investigaram não estavam visivelmente mumificados. Porém, a análise de marcas de carbonização nos esqueletos — que foram enterrados após serem dobrados rigidamente em posição de cócoras — mostrou sinais de exposição a calor baixo por longos períodos, o que teria secado e preservado os corpos.

A defumação dos mortos é uma técnica conhecida historicamente em alguns grupos indígenas australianos e ainda usada por comunidades em Papua-Nova Guiné, relataram os pesquisadores nesta segunda-feira (15) na revista PNAS. As semelhanças entre as poses encolhidas dos esqueletos estudados na nova análise e as das múmias defumadas modernas levaram os cientistas a considerar que os antigos sepultamentos encolhidos também poderiam ter passado por defumação.

Antes disso, os exemplos mais antigos de mumificação eram atribuídos à cultura Chinchorro, no norte do Chile, datando de cerca de 7.000 anos, e ao Egito Antigo, há cerca de 4.500 anos. As descobertas no Sudeste Asiático recuam em milhares de anos a linha do tempo do uso da mumificação para preservar os mortos, disse a autora principal do estudo, Dra. Hsiao-chun Hung, pesquisadora sênior da Universidade Nacional da Austrália.

“Acreditamos que a tradição reflete um impulso humano atemporal — a esperança duradoura, desde os tempos antigos até o presente, de que famílias e entes queridos possam permanecer ‘juntos’ para sempre, em qualquer forma que essa união assuma”, disse Hung em entrevista por e-mail à CNN.

As descobertas também sugerem que caçadores-coletores tinham sistemas complexos para lidar com os mortos “que podem indicar crenças sofisticadas sobre o que deveria acontecer com o corpo humano após a morte”, afirmou a Dra. Emma L. Baysal, professora associada do departamento de arqueologia da Universidade Bilkent, em Ancara, Turquia.

“Os autores desenvolveram uma forma de medir o possível tratamento de um corpo e identificar práticas que hoje nos seriam quase invisíveis”, disse Baysal, que não participou da pesquisa, à CNN por e-mail. “Apresentar um argumento tão convincente a partir de evidências tão sutis é impressionante.”

Uma tradição antiga e difundida

A equipe de pesquisa investigou 54 sepultamentos encolhidos encontrados anteriormente em 11 sítios arqueológicos. Entre 2017 e 2025, os pesquisadores descreveram resultados de ossos descobertos no sul da China, norte do Vietnã e Sumatra, na Indonésia. Sepultamentos semelhantes também já haviam sido encontrados em Sarawak (Malásia Oriental), sul de Java (Indonésia) e norte de Palawan (Filipinas), mas não foram incluídos na nova análise.

De estudos anteriores, os cientistas já sabiam que a postura extremamente encolhida — com as pernas dobradas contra o corpo — “era a característica mais típica dos enterros pré-neolíticos, especialmente no sul da China e no Sudeste Asiático”, disse Hung. “Esses sepultamentos costumam ser encontrados em cavernas, sob abrigos rochosos ou em concheiros.” (O período Neolítico, ou Idade da Pedra, nessas regiões durou aproximadamente de 7000 a 1700 a.C.)

Durante anos, a contorção extrema desses esqueletos intrigou os cientistas. O coautor sênior do estudo, Hirofumi Matsumura, professor emérito de antropologia física da Universidade Médica de Sapporo, no Japão, “foi o primeiro a apontar certas posições dos esqueletos que pareciam anatomicamente impossíveis”, acrescentou Hung.

As posturas eram tão extremas que dificilmente teriam ocorrido sem “intervenção extraordinária”, sugerindo que os corpos foram manipulados antes do enterro, escreveram os autores. Os corpos estavam tão rigidamente dobrados que a maior parte do tecido mole — exceto a pele seca — provavelmente já havia desaparecido no momento do sepultamento. Além disso, ossos de muitos desses enterros apresentavam sinais visíveis de carbonização.

Como apenas partes dos esqueletos estavam enegrecidas, os cientistas descartaram a hipótese de cremação. A carbonização consistente em locais específicos — cotovelos, parte frontal do crânio e membros inferiores — forneceu pistas intrigantes. Essas áreas do corpo são cobertas por camadas mais finas de músculo e gordura e, portanto, mais suscetíveis a queimar se um corpo fosse colocado sobre o fogo.

No entanto, a maioria dos esqueletos escavados não mostrava sinais visíveis de queima. Nesses casos, “precisávamos encontrar uma forma científica de testar nossa hipótese”, disse Hung.

Interação entre técnica, cultura e crença

Dois métodos de imagem — difração de raios X e espectroscopia no infravermelho por transformada de Fourier — ofereceram uma visão mais detalhada dos ossos, revelando sinais de exposição ao calor invisíveis a olho nu.

A difração de raios X mostrou alterações na microestrutura dos ossos causadas pelo aquecimento, e a espectroscopia identificou evidências de aquecimento prolongado em baixa temperatura em cerca de 84% das amostras. Algumas áreas descoloridas nos ossos que não estavam carbonizadas podem ter sido escurecidas pela fumaça, segundo o estudo.

Com base em práticas semelhantes de mumificação na Papua Nova Guiné moderna, vistas aqui em um esqueleto de Dani, os autores do estudo propõem que as pessoas, há milhares de anos, preparavam seus mortos secando os restos mortais com fumaça

Com base nesses resultados e em paralelos com práticas de mumificação ainda existentes em Papua-Nova Guiné, os autores propuseram que, há milhares de anos, as pessoas preparavam seus mortos para o enterro colocando o corpo em posição encolhida sobre uma fogueira de baixa temperatura; aquecendo-o até que a fumaça secasse os restos; e depois transferindo a múmia defumada para seu local final de sepultamento, em uma cabana ou abrigo natural.

No total, ossos de nove locais analisados mostraram sinais de defumação. O exemplo mais antigo em potencial — um osso de braço com sinais típicos de queima — veio de um sítio no norte do Vietnã, datado de cerca de 14.000 anos atrás. A maioria das amostras pertencia a sepultamentos realizados entre 12.000 e 4.000 anos atrás.

“Nossos resultados revelam uma interação única entre técnica, tradição, cultura e crença das culturas pré-neolíticas no sul da China e no Sudeste Asiático”, disse Hung. “Notavelmente, essa prática persistiu por um período extraordinariamente longo e em uma vasta região, do final do Paleolítico até o presente. A extensão e a duração dessa prática são extraordinárias.”

Entre os povos dessa parte do mundo, a mumificação por defumação provavelmente era a melhor opção para preservar os mortos em ambientes úmidos — mas esses rituais podem ter se originado muito antes, entre caçadores-coletores que depois se estabeleceram ali, acrescentou Baysal.

“Seria fascinante descobrir, no futuro, com estudos em outras regiões, se essas práticas realmente se relacionam a grupos ancestrais comuns e talvez até a seus deslocamentos da África para a Ásia”, afirmou.

As tradições funerárias são parte importante da cultura humana, refletindo vínculos emocionais entre as pessoas. Quem realizava esse tipo de mumificação investia tempo e energia consideráveis.

Registros etnográficos que descrevem exemplos modernos de defumação indicam que familiares ou membros da comunidade cuidavam continuamente do corpo em processo de mumificação por cerca de três meses.

No período Neolítico e antes, a defumação “era um compromisso que só poderia ser sustentado por amor profundo e devoção espiritual”, disse Hung.

Fonte: CNN