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Navio com mais de 110 anos vira hotel após reforma de US$ 18 milhões;

Mundo

01 de setembro de 2025

Navio com mais de 110 anos vira hotel após reforma de US$ 18 milhões;
Uma visão aérea do Doulos Phos Ship Hotel, localizado em Bintan, na Indonésia
Foto: Doulos Phos Ship Hotel via CNN Newsource

Em 1914, dois anos depois de o Titanic zarpar em sua trágica viagem inaugural, o navio a vapor SS Medina deixou o estaleiro em Newport News, em Virgínia, nos Estados Unidos.

A embarcação viveu muitas vidas — e recebeu muitos nomes — ao longo de uma carreira que a tornou o navio de passageiros ativo mais antigo em operação. Mas a missão mais recente do barco de 111 anos é, talvez, a mais improvável de todas.

Originalmente usado para transportar cebolas e outros produtos, o Medina foi convocado para ajudar os EUA durante a Segunda Guerra Mundial. Mais tarde, foi convertido em navio de passageiros com o nome SS Roma, recebeu um motor a diesel e, como MS Franca C, passou a operar como navio de cruzeiro. Em 1977, foi comprado por uma organização cristã e rebatizado de MV Doulos, funcionando como navio missionário e biblioteca flutuante.

Nas três décadas seguintes, percorreu mais de 360 mil milhas náuticas e atracou em mais de 100 países. Em 1991, chegou a ser alvo de um ataque com granadas por separatistas muçulmanos nas Filipinas, em um atentado que deixou dois evangelistas mortos.

Agora, depois de mais de um século no mar, o navio encontrou repouso — em terra firme — na ilha tropical de Bintan, na Indonésia, conhecida por seus resorts all inclusive à beira-mar.

O empresário singapurense Eric Saw, atual dono (ou “zelador”, como prefere se definir), investiu os últimos 15 anos e cerca de 23 milhões de dólares de Singapura (cerca de R$ 97,7 milhões e US$ 18 milhões) para transformá-lo em um hotel de luxo.

“Se eu não tivesse esse projeto, talvez tivesse uma Ferrari e uma Lamborghini em casa, e estaria velejando pelo mundo todo ano com a minha família”, refletiu o empresário de 74 anos, durante um almoço no restaurante do hotel, construído em uma nova estrutura de dois andares junto à proa. Mas a tarefa monumental de comprar, reformar e trazer o navio histórico para terra firme foi, segundo ele, “um chamado de Deus”.

Rebatizado de Doulos Phos, ou “Servo da Luz” em grego, o navio está ancorado em uma península artificial em formato de âncora, criada especialmente para o projeto. Hoje, sua enorme hélice, antes oculta sob a linha d’água, está totalmente à mostra — assim como a parte inferior do casco de 130 metros, construído, assim como o do Titanic, com chapas de aço unidas por rebites (a soldagem só se popularizou na construção naval a partir dos anos 1930).

No interior, corredores estreitos e de teto baixo levam a cerca de 100 quartos e suítes. Alguns ainda preservam escotilhas redondas como janelas; outros mantêm portas metálicas pesadas com alavancas que agora se abrem para varandas privativas com vista para o mar — antes usadas pelos marinheiros para circular pelo convés.

A inauguração inicial, em 2019, não vingou. As rígidas restrições de viagem impostas pela Indonésia e pela vizinha Singapura, de onde vem a maioria dos turistas de Bintan, paralisaram as operações. Como Singapura só suspendeu totalmente as medidas de fronteira em 2023, o projeto precisou esperar. Agora, com as portas abertas novamente, Saw espera atrair desde famílias jovens até entusiastas da história naval.

Ele faz questão de oferecer uma experiência autêntica de navegação. Durante um tour corrigiu várias vezes a linguagem usada em hotéis convencionais: aqui os funcionários são “tripulação”, os quartos são “cabines” e os andares são “decks”.

O navio pode ser classificado legalmente como um edifício, mas Saw garante que a experiência é tão realista que alguns hóspedes até sentem “um pouco de enjoo, principalmente quando olham pelas escotilhas e veem as ondas”.

“Mas depois de algumas horas, eles se acostumam”, brincou.

Salvo do desmonte

Antes de Saw assumir a posse, em 2010, o futuro do navio parecia sombrio. O MV Doulos já não era considerado seguro para navegação — e atender às novas normas de segurança marítima e prevenção de incêndios exigiria milhões em investimentos extras.

O antigo proprietário o levou a um dique seco em Singapura, aguardando propostas. Entre os interessados estavam sucateiros, que planejavam desmontá-lo para reaproveitar o metal. Saw, que na época administrava um restaurante em um barco a vapor de três andares no estilo Mississippi, na ilha de Sentosa, sonhava em dar ao navio uma nova vida voltada a causas cristãs. Mesmo sem ter um plano definido, fez a oferta vencedora: 900 mil euros (R$ 5,7 milhões).

Mas esse valor foi somente uma fração do custo final. Durante mais de três anos, Saw gastou somas altas em taxas de atracação e manutenção enquanto tentava convencer as autoridades de Singapura a cederem um local fixo. Como não teve sucesso, buscou alternativas.

Encontrou apoio em Bintan, em um complexo turístico criado em parceria pelos governos da Indonésia e de Singapura nos anos 1990. Inicialmente, pensou em transformá-lo em hotel flutuante, mas logo percebeu que a manutenção seria inviável. Propôs, então, instalar o navio em terra firme.

Um incorporador ofereceu recuperar mais de 12 mil metros quadrados de terra no litoral norte de Bintan, em regime de concessão de longo prazo. “E ainda tive a ousadia de pedir que a ilha fosse em formato de âncora, não apenas um retângulo de terra”, contou, sorrindo.

O pedido foi aceito, e as obras começaram em 2014. O navio, com motores já desativados, foi rebocado até a ilha vizinha de Batam para a reforma. Mas o maior desafio técnico ainda estava por vir: arrastar a embarcação de 6.800 toneladas para terra.

Em outubro de 2015, o então centenário MV Doulos Phos fez sua última viagem, de Batam a Bintan. Para recebê-lo, o fundo do mar ao lado da península artificial foi escavado, criando uma bacia de onde o navio seria puxado.

Como terras recém-reclamadas podem levar anos ou décadas para se estabilizar, os engenheiros projetaram uma plataforma de concreto de 130 x 16 metros, apoiada em estacas fincadas a mais de 40 metros no subsolo.

Com enormes bolsas de ar funcionando como rolos, guinchos mecânicos começaram a puxar o navio por mais de 170 metros até o local definitivo. O processo levou sete semanas tensas — mais de três vezes o previsto. A cada dia, o avanço era incerto: “Nos dias bons, cinco metros; nos ruins, nem um”, disse Saw.

“À medida que o processo se arrastava, eu ficava desanimado. Mas me apegava à esperança de que precisávamos cumprir a visão colocada em nossos corações.”

Mantendo o legado

Transformar o navio em um hotel cinco estrelas trouxe outro conjunto de desafios. Era preciso reconfigurar os interiores sem comprometer a estrutura — o que exigiu arquitetos navais além dos convencionais.

“Todas as cabines eram muito pequenas, espartanas”, contou Saw, que se refere ao navio no feminino, como manda a tradição marítima. “Muitos olhos-de-boi eram apenas pequenos furos, colocados no alto para evitar entrada de água. Uma cabine geralmente tinha dois beliches duplos — quatro pessoas dividindo o mesmo espaço.”

Foram removidos tanques de combustível e anteparos para ampliar os quartos. Hoje, o hotel tem 93 cabines, muitas com janelas amplas, distribuídas em vários compartimentos. As diárias variam de 1,7 a 3,8 milhões de rúpias indonésias (de R$ 572 a R$ 1.278). O navio recebeu novos sistemas de encanamento e elétrica, elevadores, rotas de fuga e tudo o que a legislação exige para edifícios.

Ainda assim, boa parte de sua história naval foi preservada: do eixo da hélice a seis botes salva-vidas originais, suspensos em roldanas. A antiga casa de máquinas continua intacta e aberta a visitantes, assim como alguns aposentos originais, mantidos como “cabines de experiência”.

Os conveses superiores também podem ser visitados — e atraem hóspedes que gostam de recriar a cena clássica de Leonardo DiCaprio e Kate Winslet, no filme “Titanic”.

Os interiores também trazem homenagens ao passado: rebites originais recuperados na reforma foram incorporados a móveis e acabamentos. “Sentimos que conseguimos manter o legado da embarcação”, disse Saw, que chama o navio de “a grande dama dos mares”.

Segundo ele, todas as mudanças são reversíveis, caso um futuro dono queira devolvê-lo ao mar. Embora improvável, isso seria prova da solidez da construção original. “Ela pode durar mais 111 anos”, disse. “Eu, porém, não sei se chego lá!”

A ferrugem, no entanto, continua sendo o maior desafio. “O problema da ferrugem nunca acaba, mesmo em terra firme”, contou. “Se você começa a pintar da proa até a popa, quando termina já é hora de recomeçar na proa.”

Mas, para Saw, o projeto vai além da paixão ou da preservação histórica — é uma missão. Ele afirma receber apenas um salário simbólico de US$ 1 (R$ 5,4) por ano, destinando todos os lucros do hotel a causas cristãs, sem se importar se recuperará os US$ 18 milhões investidos.

“Ela não passa de uma massa de aço”, refletiu. “É o que fazemos com ela que dá sentido.”

Fonte: CNN