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Estudo aponta que 1 a cada 50 pessoas tem HIV na região metropolitana de saúde do RS

Estado, Saúde

08 de agosto de 2025

Estudo aponta que 1 a cada 50 pessoas tem HIV na região metropolitana de saúde do RS
Estudo realizado na Região Metropolitana de Porto Alegre revelou que a prevalência de pessoas com HIV na região ultrapassou em 64% o limite considerado aceitável pela Organização Mundial da Saúde (OMS)
Foto: Camila Cunha

A macrorregião metropolitana de saúde do Rio Grande do Sul tem 1 a cada 50 pessoas convivendo com o HIV, o causador da AIDS. É o que aponta um estudo inédito conduzido pelo Hospital Moinhos de Vento, que encontrou uma alta taxa de Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST), principalmente o HIV e a sífilis. Entre os 11 municípios analisados (Alvorada, Cachoeirinha, Canoas, Esteio, Gravataí, Guaíba, Novo Hamburgo, Porto Alegre, São Leopoldo, Sapucaia do Sul e Viamão), a prevalência do HIV foi de 1,64%, encaixando-se em uma epidemia generalizada do vírus. O número é 64% a mais do limite considerado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma epidemia controlada. Do público entrevistado, ⅓ o não sabia que tinha o vírus, o que evidencia que a transmissão está acontecendo de maneira silenciosa e com defasagem na testagem. Já no RS, entre quase 8 mil participantes analisados no estudo, a prevalência geral estimada de HIV foi de 0,99%. O estudo também objetivou criar políticas baseadas em evidências que abordem as desigualdades sociais sistêmicas na região.

A demanda do estudo partiu do Ministério da Saúde e do Governo estadual de Saúde, com o cenário de que o Rio Grande do Sul, e especificamente Porto Alegre, vem há muitos anos liderando a maior taxa de mortalidade por HIV no Brasil. Com o objetivo de esclarecer se a situação se diferenciava do restante dos estados do país, o estudo avaliou a taxa de HIV no estado.

Eliana Wendland, epidemiologista coordenadora do estudo no Moinhos de Vento, explica que, quanto ao HIV, a OMS tem um ponto de corte que separa uma epidemia generalizada de uma epidemia concentrada. Enquanto a epidemia concentrada volta-se para grupos específicos – como homens que fazem sexo com outros homens, profissionais do sexo e usuários de drogas injetáveis –, uma epidemia generalizada traz risco para qualquer grupo populacional. Com o Rio Grande do Sul ultrapassando o 1%, a epidemia se mantém sustentada na população geral em termos de transmissão, e a transmissão fica equilibrada tanto para homens quanto para mulheres.

“O Brasil era considerado como um país de epidemia concentrada pela OMS. Agora, temos aqui a região metropolitana onde provamos, então, que temos uma epidemia generalizada de HIV, ou seja, a transmissão do vírus se mantém de forma sustentada na população geral, não em grupos específicos. Isso não quer dizer que esses grupos específicos não tenham mais risco que a população geral, mas quer dizer que isso já ultrapassou esses grupos específicos e já se sustenta na população geral”, diz Wendland.

A pesquisa foi feita a partir de um sorteio aleatório entre maiores de 18 anos residentes na Região Metropolitana de saúde do Rio Grande do Sul, que foram sorteados por setores censitários. A pesquisa foi feita de casa em casa, por meio de entrevistas e coleta de sangue da ponta do dedo. O projeto piloto, com a ida a campo e teste da logística do estudo, foi feito antes da pandemia, que interrompeu a pesquisa. Após o hiato, o estudo foi retomado em 2022 e concluído em 2023.

Estudo realizado na Região Metropolitana de Porto Alegre revelou que a prevalência de pessoas com HIV na região ultrapassou em 64% o limite considerado aceitável pela Organização Mundial da Saúde (OMS)

O estudo apontou que o risco de ter HIV está associado a uma determinada faixa etária – pessoas de 30 a 49 anos. Também está associado a classes mais baixas, mais vulneráveis, pessoas pretas e pardas e com baixa escolaridade. “Isso é um fator importante, principalmente quando a gente vê, por exemplo, o conhecimento associado às ISTs, que está diretamente ligado ao nível educacional. As pessoas com menor nível educacional têm um maior desconhecimento sobre o HIV”, afirma a pesquisadora.

O diferencial do estudo foi realizar a testagem em pessoas que não tinham apresentado nenhum sintoma e também não suspeitavam que pudesse ter o vírus. O resultado é categórico: no boletim, 37% das pessoas – ⅓ do público entrevistado – não sabia que tinha o HIV e não tinha o diagnóstico. A prevalência da viremia não suprimida foi apresentada por Wendland em um Congresso Mundial de IST, ocorrido em Montreal. “Muitas pessoas tinham taxas muito altas de vírus e, dessas, um grande número não sabia que tinha HIV. E essas pessoas estão transmitindo vírus para outras pessoas dentro da sua comunidade”, diz a pesquisadora. A viremia alta tem fatores importantes que aumentam a transmissão da doença e pioram a qualidade de vida e a expectativa média das pessoas, aponta.

Estudo realizado na Região Metropolitana de Porto Alegre revelou que a prevalência de pessoas com HIV na região ultrapassou em 64% o limite considerado aceitável pela Organização Mundial da Saúde (OMS)

Tabu dificulta diagnóstico, e testagem massiva é prioridade

A pesquisa, pontua Wendland, reforça a importância da ampliação de testagem na população. “É muito importante que se teste a população massivamente. Porque o HIV, como se sabe, é um agravo que não vai dar sintomas no início. Ele dá sintomas quando começa a ter a AIDS. Então, as pessoas que não fizerem o teste não vão descobrir”, afirma.

“Hoje em dia, a gente tem várias formas de tratamento e de prevenção, e a gente sabe que, quando as pessoas são tratadas, conseguem diminuir a sua taxa viral a níveis tão baixos que [o HIV] fica indetectável. Isso faz com que a chance de transmissão também desapareça. Então é muito importante diagnosticar as pessoas e tratá-las corretamente”, complementa.

O que explica o número alto, na análise da pesquisadora, é o desconhecimento e a desinformação sobre a doença. “Temos um grande percentual de pessoas que ainda acredita que o HIV pode ser transmitido em banheiros públicos ou compartilhando de talheres, ou não sabe que pode ser transmitido da mãe para o filho na gestação. Todo mundo sabe onde existe camisinha para pegar, mas uma parcela muito pequena da população usa”, diz. Wendland acredita que os fatores estão ligados a um conservadorismo e a um estigma, também associado a tabus sobre o vírus, que leva a população a não procurar o diagnóstico e tratamento, além de não contar para parceiros.

“Existe um tabu muito grande ao redor da doença e isso faz com que as pessoas diagnostiquem menos e tratem-se menos, se previnem menos. Assim, os números só tendem a crescer”, afirma a pesquisadora.

Estudo realizado na Região Metropolitana de Porto Alegre revelou que a prevalência de pessoas com HIV na região ultrapassou em 64% o limite considerado aceitável pela Organização Mundial da Saúde (OMS) | Eliana Wendland, coordenadora da pesquisa

O acesso ao diagnóstico tem também entraves na saúde pública. Enquanto os exames deveriam estar disponíveis para a população em locais de fácil acesso e sem hora marcada, muitas unidades de saúde ainda marcam o teste e pedem para o paciente retornar ao local, o que muitas vezes não acontece.

Sobre a prevenção, Wendland destaca a necessidade de conversar sobre a transmissão do vírus antes das pessoas iniciarem a vida sexual, também tratando de medicamentos de profilaxia pré e pós exposição para relações sexuais desprotegidas, que ainda são desconhecidos. Entre as políticas públicas necessárias para auxiliar no diagnóstico e até na prevenção, está a facilidade e oferta de testagem em todos os lugares possíveis, como unidades móveis de testagem, aponta a pesquisadora.

Além disso, ações de diálogo sobre educação sexual e formas de prevenção nas escolas e facilitar o acesso ao tratamento, de modo que não evolua e evite a cadeia de transmissão. “Só se a gente conversar bastante sobre isso, vamos conseguir tirar um pouco desse estigma que existe hoje em torno da doença, para que as pessoas possam se tratar mais, possam fazer mais diagnóstico e se proteger”, diz.

Como funciona o teste

Os exames geralmente utilizados para detectar o HIV acontecem por coleta de sangue, retirado ou por meio da picada no dedo ou por retirada na veia do braço. Após, a amostra de sorologia é enviada para o laboratório para a análise, mas o realizado no dedo é revelado em até 20 minutos – em algumas unidades, até 15 minutos. Ele está disponível em todas as unidades básicas de saúde, que também realizam acompanhamento com medicação e encaminhamento de tratamento no caso do diagnóstico positivo. O exame deve ser realizado principalmente em gestantes na fase do pré-natal.

Fonte: Correio do Povo