Novo fóssil encontrado no RS preenche lacuna no conhecimento da evolução dos dinossauros
30 de maio de 2025

O Brasil abriga alguns dos registros de dinossauros mais antigos no planeta. Eles possuem grande importância científica, não só pelo impacto cultural que causam, mas também pelo fato de terem dominado os ecossistemas do planeta Terra durante quase toda a Era Mesozoica.
Esses animais surgiram no Período Triássico, há cerca de 233 milhões de anos (Ma) e se espalharam por todos os continentes. Mas embora o registro de algumas linhagens de dinossauros seja bem conhecido pela ciência, a origem do grupo ainda é envolta em mistério. Um novo estudo publicado por um grupo de autores brasileiros e argentinos oferece novas pistas para contar essa história.
“Toda a diversidade de dinossauros que conhecemos se divide em duas grandes linhagens: os Saurísquios e os Ornitísquios, grupos reconhecidos há mais de um século e meio pela ciência” diz Alexander W. Kellner, pesquisador do Museu Nacional, que é um dos autores do estudo. “Contudo, como se deu a origem dessas linhagens ainda é um enigma” complementa.
“Os dinossauros mais antigos do mundo aparecem em rochas de mais de 233 Ma, no Rio Grande do Sul. Só que eles já aparecem como um grupo bastante diverso, o que nos sugere que a linhagem pudesse estar estabelecida há mais tempo do que pensávamos. E com um problema adicional: todos os dinossauros dessa idade são Saurísquios” relata Flávio A. Pretto, co-autor do novo estudo e paleontólogo do CAPPA-UFSM.
O novo estudo intitulado “Continuous presence of dinosauromorphs in South America throughout the Middle to the Late Triassic”, liderado pelo paleontólogo Voltaire Paes Neto, que realiza seu pós-doutorado no Museu Nacional, foi publicado no periódico científico Scientific Reports, do Grupo Nature. A pesquisa descreve fósseis de uma nova espécie de silessauro, um grupo de répteis característicos do período Triássico.

O grupo dos Ornitísquios inclui dinossauros muito bem conhecidos do hemisfério norte, como o Triceratops, o Stegosaurus e o Iguanodon. Em busca de compreender as origens deste grupo, uma hipótese tem ganhado força na Paleontologia.
É a de que o grupo dos silessauros possa representar, de fato, os primeiros representantes da linhagem dos ornitísquios. “Para muitos cientistas os silessauros representam apenas parentes próximos dos dinossauros. Para outros, entretanto, os silessauros na realidade poderiam representar os mais antigos dinossauros ornitísquios.” aponta Rodrigo Temp Müller, co-autor do trabalho e paleontólogo do CAPPA-UFSM.
Parte do problema é porque o registro fossilífero dos silessauros precede o registro dos dinossauros saurísquios tradicionalmente conhecidos. “Os mais antigos são encontrados em rochas do Triássico Médio da Tanzânia, Zâmbia e também no Brasil, com cerca de 240 milhões de anos de idade” explica Maurício Garcia, co-autor do estudo.
“Ao longo do tempo, contudo, percebemos que existe uma lacuna em que esses animais não aparecem no registro fossilífero” relata Marina Bento Soares, professora da UFRJ e co-autora do trabalho. “E isso ocorre em outras partes do globo, onde também existe um hiato de cerca de 10 milhões de anos entre as ocorrências mais antigas e as mais jovens”.
O artigo científico reporta que após análise minuciosa dos materiais coletados décadas atrás, e até então misturados a fósseis de cinodontes (parentes distantes dos mamíferos), representavam ossos de uma nova espécie de silessauro, batizada de Itaguyra occulta.
O novo achado indica que o grupo dos silessauros estava presente de forma contínua no Sul do Brasil durante o Triássico Médio ao Triássico Superior e que eram componentes típicos destes ecossistemas.
“Ele provém exatamente de camadas de idade intermediária em relação aos outros registros de silessauros, com cerca de 236 Ma, preenchendo um hiato temporal do registro fossilífero do grupo na América do Sul” revela Voltaire Paes Neto.
“E se os silessauros representam os mais antigos dinossauros ornitísquios, como também aponta nosso estudo, então este é agora um dos mais antigos dinossauros conhecidos do Brasil e do Mundo”, comemora o paleontólogo.
O material fóssil foi ‘re-descoberto’ durante uma pesquisa por Voltaire Paes Neto e o paleontólogo argentino Agustín G. Martinelli, do Museo Argentino de Ciencias Naturales Bernardino Rivadavia-CONICET sobre fósseis da área industrial de Santa Cruz do Suldepositados na coleção da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), em Porto Alegre.
Foi durante a revisão dos fósseis encontrados em Santa Cruz do Sul que se observou que estes materiais não representavam ossos de cinodontes, animais comuns na região.
“A ‘paleontologia de gaveta’ – analisar os fósseis depositados em museus e coleções científicas – é uma forma poderosa de gerar conhecimento, mostrando que o resguardo dos fósseis em instituições públicas representa um investimento para o futuro das pesquisas”, diz o paleontólogo argentino Agustín G. Martinelli.
A pesquisa científica contou com apoio de quatro instituições brasileiras: o Museu Nacional, a Ufrgs, o CAPPA-UFSM e a UNIPAMPA. Além da parceria com o Museo Argentino de Ciencias Naturalesu Bernardino Rivadavia-CONICET. E foi possível graças ao apoio da FAPERJ e é um resultado do Projeto INCT-Paleovert.
Quem eram os silessauros?
Os silessauros foram, em geral, animais pequenos de aproximadamente 1 metro, e eram caracterizados por apresentarem um bico na região anterior da mandíbula, pernas e braços longos típicos de animais quadrúpedes e muito provavelmente apresentavam diversos hábitos alimentares, sendo em geral insetívoros – ainda que representantes herbívoros sejam comuns. Foram comuns durante o final do Triássico no mundo todo.
“O registro de fósseis de silessauros só aumenta, o que indica que eram importantes componentes das faunas triássicas do supercontinente Pangéia, um panorama completamente diferente do que se pensava nos anos 90”, diz Felipe Pinheiro, professor da Universidade Federal do Pampa.
No Brasil, fósseis de silessauros ocorrem apenas no Rio Grande do Sul, em rochas do Triássico Médio de aproximadamente 240 milhões de anos atrás: Gamatavus antiquus (encontrada em Dilermando de Aguiar) e Gondwanax paraisensis (de Paraíso do Sul).
Também no Rio Grande do Sul, porém em rochas mais jovens do Triássico Superior, de 233 a 225 milhões de anos atrás, os silessauros são encontrados junto a fósseis de dinossauros saurísquios, como o Amanasaurus nesbitti (de Restinga Sêca) e Sacisaurus agudoensis (de Agudo).
A nova espécie, Itaguyra occulta, viveu em um momento intermediário, aproximadamente 237 milhões de anos atrás, um intervalo ainda pouco conhecido para os paleontólogos.
Ainda que conheçamos poucos elementos desta nova espécie, apenas os ossos da cintura foram recuperados, eles são bastante diagnósticos para identificar o grupo dos silessaurídeos.
Ele viveu junto a parentes distantes dos mamíferos, como dicinodontes e os cinodontes herbívoros, além de outros répteis como os rincossauros e parentes distantes dos crocodilos.

“O nome desta nova espécie está ligado a como o fóssil foi “re-descoberto”, já que é derivado da palavra Tupi ‘Ita’ que significa ‘pedra’ e ‘guyra’ que significa ‘ave’, ou seja, a ave de pedra; e occulta, derivada do latim, oculto – pois seus restos estavam escondidos em meio a ossos de outros animais desta fauna ainda pouco conhecida”. diz Francesco Battista, pesquisador da Ufrgs.
A redescoberta e análise desses materiais corroboram para o entendimento da evolução dos primeiros dinossauros e reforça a importância do sul do Brasil como uma região-chave para o estudo da origem do grupo.
Para quem quiser ver como era esta nova espécie, uma escultura em vida está em exibição no Museu Municipal Aristides Carlos Rodrigues, em Candelária, no Rio Grande do Sul. O museu conta com diversos fósseis da região, e concentra o núcleo de paleontologia do projeto Geoparque Vale do Rio Pardo.
Fonte: Correio do Povo