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Criação de abelhas enfrenta desafios no pós-enchente

Ceres Agronews

14 de março de 2025

Criação de abelhas enfrenta desafios no pós-enchente

Em 2024, o Rio Grande do Sul foi devastado por enchentes causadas por chuvas intensas que começaram entre o final de abril e o mês de maio. A tragédia deixou centenas de mortos, milhares de desabrigados e causou danos irreparáveis à infraestrutura do estado. O agronegócio, um dos pilares da economia gaúcha, sofreu um grande impacto – e dentro desse setor, a criação de abelhas foi severamente afetada.

Segundo dados da Câmara Setorial de Apicultura, aproximadamente 6 bilhões de abelhas morreram e 19,4 mil colmeias foram destruídas pelas enchentes. Essa perda atingiu diretamente cerca de 37 mil apicultores, comprometendo a produção de mel e a polinização de culturas agrícolas essenciais. Além das colmeias arrastadas pelas águas, a destruição da vegetação reduziu drasticamente a oferta de néctar e pólen, dificultando a sobrevivência das abelhas remanescentes.

– Nós conseguimos levantar, por meio de um questionário aplicado logo após as enchentes, que aproximadamente 21 mil colmeias foram perdidas no estado. Isso inclui 20 mil colmeias de Apis mellifera e cerca de mil de abelhas nativas sem ferrão. Mas esse número, por si só, não reflete toda a realidade, pois muitos apicultores sequer conseguiram relatar suas perdas – comenta Betina Blochtein, coordenadora executiva do Observatório de Abelhas do Brasil

A devastação não se limitou à perda imediata das colmeias. O cenário pós-enchente continuou desafiador: com o solo encharcado e o clima instável, muitas plantas não floresceram, agravando a escassez de alimento para as abelhas e dificultando a recuperação do setor.

Solidariedade e ações emergenciais

Diante da catástrofe, a resposta do setor apícola e de entidades de apoio foi rápida. A Federação Apícola do Rio Grande do Sul (FARGS), em parceria com instituições como a Emater/RS-Ascar e a Secretaria da Agricultura, Pecuária e Irrigação (Seapi), mobilizou esforços para auxiliar os apicultores.

O professor e pesquisador Aroni Sattler, ex-presidente da FARGS e um dos principais articuladores da reconstrução da apicultura (criação de abelhas com ferrão) no estado, coordenou a pesquisa realizada através de um formulário do Google e ajudou na campanha de doação de colmeias. Como resultado, produtores do Paraná enviaram 270 caixas de abelhas, distribuídas para 69 apicultores em nove municípios gaúchos.

– Ainda temos a vinda de mais 100 enxames que serão alocados nas caixas desse segundo lote vindo do Paraná. A Emater faz a distribuição e a Secretaria da Agricultura disponibiliza caminhões para buscar as caixas e transportá-las dentro do estado – explica Sattler.

Apesar dos esforços, segundo estimativa essa ajuda inicial representa apenas 10% da necessidade dos pequenos produtores. Para entender melhor a dimensão dos prejuízos e planejar ações mais eficazes, o professor organizou um formulário online onde os apicultores puderam relatar suas perdas, o que ajudou a mapear os impactos e direcionar a assistência.

Desafios na regularização

O Observatório de Abelhas do Brasil, programa vinculado à Embrapa Meio Ambiente e ao Ministério da Agricultura, desempenhou um papel fundamental na coleta e análise de dados sobre as perdas na apicultura gaúcha.

Betina explica que, embora o Brasil tenha um Programa Nacional de Sanidade Apícola, ele se concentra principalmente em doenças e pragas, sem contemplar eventos como intoxicação por defensivos, fome extrema ou desastres naturais. Foi nesse vácuo que o Observatório entrou em ação.

– Desenvolvemos um aplicativo para coletar dados de campo, com fotos obrigatórias e georreferenciamento. Esses dados são enviados para uma plataforma nacional e analisados em conjunto com universidades e laboratórios, incluindo a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Isso nos permitiu entender o impacto real da enchente e propor medidas de recuperação para o setor – comenta.

A apicultura, no entanto, ainda enfrenta um problema estrutural: a falta de formalização. Muitos produtores trabalham na informalidade e têm receio de declarar suas colmeias, o que dificulta o acesso a políticas públicas e benefícios emergenciais.

– Um dos problemas é que muitos apicultores não registram suas colmeias. Existe uma legislação que exige a declaração anual de rebanhos para criação animal, mas muitos desconhecem isso ou temem represálias. Isso enfraquece o setor, pois sem dados concretos, a apicultura não tem força política para exigir apoio – revela Betina.