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O segredo das colmeias: porque sojicultores apostam na polinização assistida

Ceres Agronews

11 de março de 2025

O segredo das colmeias: porque sojicultores apostam na polinização assistida
Foto: João Ganen

Na imensidão verde do noroeste gaúcho, onde a soja domina a paisagem, um zumbido diferente tem chamado a atenção. Na Fazenda Renascer, em Panambi, o agricultor Maurício Alzani descobriu que a produtividade da lavoura não depende apenas do solo fértil e do clima favorável, mas também de pequenos aliados: as abelhas.

Em uma área de 900 hectares dedicados à sojicultura, Alzani separou três exclusivamente para a apicultura. Sob o olhar atento da técnica do Senar Amanda Prate, 16 colmeias foram instaladas estrategicamente. O objetivo? Auxiliar na polinização da soja, um conceito que até pouco tempo atrás era visto com ceticismo. Mas o que parecia uma aposta incerta começa a se revelar um divisor de águas.

Uma pesquisa com precisão científica

Para garantir resultados concretos, toda a área de pesquisa foi cuidadosamente marcada com bandeiras, delimitando setores específicos da lavoura. Algumas dessas áreas foram isoladas, impedindo o acesso das abelhas, enquanto outras foram livremente polinizadas pelos insetos. Esse método permitirá uma comparação precisa entre as plantas que receberam e as que não tiveram influência da polinização assistida.

– A área foi dividida de forma estratégica para que possamos observar a diferença real na produtividade. Assim, será possível avaliar não apenas a quantidade de grãos por vagem, mas também a formação e o enchimento das sementes em cada setor – explica Amanda. Com essa abordagem, os pesquisadores poderão quantificar o impacto das abelhas de forma objetiva, garantindo que as diferenças observadas na colheita sejam exclusivamente resultados da polinização.

A sinfonia da natureza e os números que impressionam

No último ano, a relação entre a sojicultura e a apicultura ganhou força, impulsionada por pesquisas que indicam um aumento de até 15% na produtividade das lavouras com polinização assistida. Alzani, ainda que na fase inicial da experiência, já percebe sinais promissores:

– Vai ter um aumento, isso com certeza. Mas como é o primeiro ano do experimento, ainda não conseguimos perceber visualmente o impacto. A expectativa é alta e na colheita vamos conseguir mensurar os resultados com precisão – comenta.

Para Amanda, que acompanha de perto o desenvolvimento da soja, os indícios são claros. A formação dos grãos e das vagens nas áreas com polinização já apresenta uma diferença perceptível. “Nas áreas sem abelhas, as vagens costumam ter duas ou três sementes. Já nas que receberam a polinização, observamos vagens com quatro ou cinco sementes. Isso mostra que a eficiência das abelhas está fazendo a diferença”, explica.

Uma nova mentalidade no campo

Se antes a presença de abelhas na lavoura era encarada com desconfiança, hoje a realidade está mudando. “O ceticismo está dando lugar ao interesse. Muitos sojicultores já alugam colmeias ou investem em suas próprias criações. A aceitação tem crescido e a prática se mostra cada vez mais viável dentro do manejo agrícola sustentável”, comenta o engenheiro agrônomo João Vitor Ganem, doutorando em Entomologia na Universidade Federal de Lavras (UFLA) e Coordenador Técnico do Comitê Estratégico Soja Brasil (CESB).

A adoção de insumos biológicos também tem sido um fator determinante. Na Fazenda Renascer, Alzani abandonou os produtos químicos há dez anos, o que facilita a convivência harmônica entre lavoura e polinizadores. “Aqui, o mel produzido é puro, sem contaminação de produtos químicos. Isso não só melhora a qualidade do produto final como também beneficia toda a cadeia produtiva”, relata.

Para César de Souza, CEO da empresa Védera, Presidente do Encontro Abelheiro e membro do TecnoAgro, a crescente adesão à polinização assistida representa um avanço significativo para o agronegócio. Ele ressalta que, além do impacto positivo na produtividade, a prática reforça a importância da sustentabilidade no setor.

– O futuro da agricultura está na integração. A apicultura e a sojicultura não são rivais, são aliadas. Quando os agricultores percebem que a polinização pode aumentar a produtividade sem custos adicionais e ainda contribuir para um ecossistema equilibrado, a aceitação cresce naturalmente – analisa.

Análises e perspectivas

Mas a pesquisa na Fazenda Renascer vai além do impacto imediato na soja. O experimento busca avaliar também possíveis resíduos de agroquímicos no mel, um fator crucial para a comercialização internacional. “Estamos analisando se há presença de glifosato no mel produzido aqui, já que esse é um dos principais entraves para a exportação brasileira. Se conseguirmos comprovar que a produção é livre de resíduos, isso pode abrir um mercado gigantesco para os apicultores”, afirma Amanda.

Atualmente, a demanda por mel claro e de sabor suave — características do mel da florada de soja — tem crescido, especialmente no mercado americano. Segundo César de Souza, essa é uma oportunidade estratégica para os produtores brasileiros. “O consumo de mel no Brasil é de apenas 20g por habitante ao ano. Já nos Estados Unidos, esse número chega a 850g. Se conseguirmos estruturar melhor essa cadeia, podemos ampliar nossa presença internacional e fortalecer o setor apícola”, comenta o presidente do Encontro Abelheiro, evento que ocorre anualmente em Carazinho-RS com o objetivo de valorizar a criação de abelhas.

O impacto econômico pode ser expressivo. No último ano, o Rio Grande do Sul plantou 6 milhões de hectares de soja e a integração com a apicultura pode transformar parte dessa área em polos de produção de mel, agregando valor à cadeia produtiva.

Os desafios e o caminho para o futuro

Apesar dos benefícios já demonstrados, ainda há desafios a serem superados. Um dos principais é o mito de que a soja, sendo uma cultura autógama, não precisaria do auxílio das abelhas. No entanto, estudos recentes provam que a ação dos polinizadores pode potencializar significativamente a produtividade.

Outro ponto sensível é a necessidade de um diálogo mais estreito entre sojicultores e apicultores. O uso de defensivos agrícolas, quando necessário, precisa ser pensado com antecedência para evitar prejuízos às colmeias. “Nunca tivemos registros de perdas significativas de colmeias quando há um bom entendimento entre as partes. Aplicativos de mensagens como o WhatsApp têm facilitado muito essa troca de informações”, ressalta Ganem, que evidencia que uma comunicação eficiente é chave para o sucesso dessa integração.

Além disso, há o receio de que as abelhas também possam favorecer a incidência de plantas daninhas na lavoura. No entanto, especialistas reforçam que os impactos negativos são mínimos em comparação aos ganhos produtivos.

Muito além da soja: o impacto na produção de mel

Os benefícios da integração entre soja e abelhas não se limitam à produção de grãos. A qualidade do mel produzido nas áreas de florada de soja também tem se destacado. “O mel da soja tem se mostrado um produto diferenciado, com coloração clara e sabor suave, o que é muito valorizado no mercado internacional. Além disso, os testes laboratoriais permitem rastrear sua origem e certificar sua qualidade”, explica Souza.

A análise polínica realizada nos laboratórios comprova a predominância da florada de soja no mel, um critério cada vez mais exigido por compradores estrangeiros. “Nos Estados Unidos, por exemplo, os consumidores querem saber exatamente de onde vem o mel que consomem. Estamos trabalhando para que o Brasil possa atender essa demanda e garantir mais valor agregado ao produto”, comenta Souza.

Para ele, essa nova abordagem pode ajudar a recuperar a posição do Rio Grande do Sul como um dos maiores exportadores de mel do Brasil, especialmente após as perdas causadas pelas enchentes do ano passado. “Tivemos uma perda de 100 mil colmeias no estado. Precisamos reconstruir o setor e enxergamos na polinização assistida uma solução sustentável para fortalecer tanto a sojicultura quanto a apicultura”, destaca.

Com mais produtores adotando a prática, a integração entre sojicultura e apicultura se consolida como um modelo sustentável e lucrativo. E na Fazenda Renascer, o zumbido das abelhas já não é apenas um som da natureza — é um sinal de colheitas mais fartas e um futuro promissor para o agronegócio.