Clima extremo desafia produtores gaúchos
10 de março de 2025

Nos últimos anos, o comportamento do clima tem se tornado um desafio adicional para a produção agrícola no Rio Grande do Sul. Secas prolongadas e chuvas intensas têm sido registradas com mais frequência, impondo obstáculos cada vez maiores para os produtores rurais. A situação exige novas estratégias para minimizar riscos e garantir a estabilidade da produção.
Gilberto Cunha, engenheiro agrônomo e pesquisador da Embrapa Trigo, alerta que a variabilidade extrema do clima já pode ser considerada o “novo normal” no campo. “O mundo todo está vivenciando um aumento na intensidade e frequência dos eventos climáticos extremos. O Brasil não está imune a isso”, afirma.
Segundo ele, mesmo que a tendência no Sul do Brasil seja de aumento da umidade média, isso não exclui a ocorrência de estiagens severas. “Essa variabilidade já é uma realidade e deve ser encarada como um fator permanente”, reforça o pesquisador.
Os registros recentes confirmam essa oscilação nos últimos quatro anos. Em 2021 e 2022, secas intensas castigaram a produção de grãos, resultando em prejuízos bilionários. No ano seguinte, em 2023, o excesso de chuvas durante o inverno comprometeu a safra de trigo, causando novas perdas. Já em 2024, o início do ano foi marcado por fortes chuvas, mas o inverno apresentou um cenário mais equilibrado, ainda que com prejuízos significativos.
A quebra da safra de soja 2025
A estiagem que marcou os últimos meses já reflete impactos diretos na safra de soja de 2025. Em fevereiro deste ano, os gaúchos enfrentaram temperaturas recordes, chegando a 43,8ºC na região de Quaraí, superando o registrado em 2022, quando chegou a 42,9ºC.
– Estamos vivendo uma das piores estiagens. A falta de chuva no período crítico da lavoura comprometeu o desenvolvimento das plantas e as perdas já são irreversíveis. Não é só para um ou dois produtores, dá para você dizer que 100% dos produtores estão nessa dificuldade. Então o momento precisa de atenção – lamenta o produtor Silvio Van Vüght, que cultiva soja e milho na região de Não-Me-Toque e também é o 1° vice-presidente do Sindicato Rural no município.
Gestão de riscos
Diante dessa nova realidade, os produtores precisam adotar práticas de gestão integrada de riscos climáticos, combinando boas práticas agrícolas e mecanismos financeiros de proteção.
De acordo com Cunha, o ano de 2024 foi o mais quente já registrado na história da meteorologia, ultrapassando o limite de 1,5ºC.
As projeções do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) deixaram de ser meras previsões e se tornaram realidades concretas. As emergências climáticas, marcadas por eventos extremos como secas severas, ondas de calor intensas, incêndios florestais, inundações sem precedentes, além de furacões e tornados devastadores, multiplicam-se em diversas regiões do planeta.
Para reduzir os impactos das oscilações climáticas, Cunha sugere a adoção de práticas agrícolas sustentáveis como essenciais para minimizar os impactos das variações climáticas. A rotação de culturas, por exemplo, contribui para a melhoria da qualidade do solo e reduz sua vulnerabilidade a condições extremas.
– Chegou a hora de falarmos menos em mitigação e mais em adaptação. Vamos usar a atual estiagem no Rio Grande do Sul e seus impactos na agricultura como exemplo. Sim, temos de buscar a construção da resiliência da nossa agricultura, investindo pesado na geração de inovações tecnológicas disruptivas, seja pela via da genética de plantas e/ou por práticas de manejo – destaca.
Manter plantas vivas ao longo do ano também é uma estratégia eficaz, pois a cobertura vegetal contínua auxilia na retenção de umidade e previne a erosão. Além disso, a correção do solo, garantindo sua fertilidade e evitando a compactação, permite que as raízes das plantas alcancem camadas mais profundas em busca de água.
Outro fator fundamental é o manejo adequado da água, evitando o escoamento superficial e promovendo maior infiltração da chuva no solo, garantindo um melhor aproveitamento hídrico para as culturas. “Embora tenhamos evoluído em genética, maquinário e defensivos agrícolas, os resultados no Sul do Brasil mostram que essa tecnologia nem sempre está sendo aplicada da melhor maneira”, analisa Cunha.
Seguro rural: proteção cada vez mais cara e escassa
Outro fator que preocupa os produtores é o encarecimento dos seguros agrícolas. Com as grandes perdas registradas nos últimos anos, muitas seguradoras e resseguradoras reduziram suas operações ou aumentaram os custos das apólices. “O mercado de seguros sofreu um grande impacto com as estiagens de 2021 e 2022. Algumas seguradoras deixaram de oferecer produtos, e as que permanecem elevaram os preços”, explica Cunha.
Além disso, o Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro), que protege pequenos e médios produtores, também passa por mudanças que preocupam o setor. Van Vüght reforça a dificuldade de acesso a mecanismos de proteção financeira diante das perdas recorrentes, destacando as mudanças no Proagro e na falta de auxílio pelo governo. “As regras do Proagro precisam ser modificadas. Após você ter quatro, cinco comunicações do Proagro, você deixa de receber. Então, nós precisamos ser melhores amparados, nós precisamos de políticas de seguro de renda. Precisamos saber que vamos ter como pagar nossas contas”, ressalta o produtor.
O grande desafio para a agricultura agora é encontrar um equilíbrio em meio às incertezas climáticas. Para Gilberto Cunha, a solução passa pela adoção de um novo modelo de gestão, no qual os produtores precisam utilizar a tecnologia disponível de forma mais eficiente, garantindo maior produtividade e resistência às variações do clima. Além disso, o investimento em práticas sustentáveis torna-se indispensável para manter a saúde do solo e minimizar os impactos ambientais.
Outro ponto fundamental é o acesso a mecanismos de proteção financeira, como seguros agrícolas e programas de garantia, que oferecem maior segurança diante das perdas causadas por eventos climáticos extremos. “Não adianta ignorar a realidade climática nem cair no catastrofismo. O caminho é a adaptação inteligente, utilizando as melhores ferramentas de manejo e proteção contra riscos”, conclui o pesquisador.