Integrando as ações do mês de março alusivas à saúde da mulher, a SES (Secretaria Estadual da Saúde) lançou nesta semana o “Boletim Epidemiológico do Estado do Rio Grande do Sul: violência contra meninas e mulheres de 10 a 59 anos”. Os dados revelam que, entre 2018 e 2022, esse público feminino representou 78% das vítimas de violências notificadas no Rio Grande do Sul.
A violência figura como um problema na agenda de saúde pública global, caracterizada como uma forma extrema de desigualdade de gênero. Para a elaboração do boletim, produzido pela equipe técnica da Divisão das Políticas dos Ciclos de Vida do Departamento de Atenção Primária e Políticas de Saúde, foram utilizados dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação.
O documento reúne uma série de estatísticas e recortes socioculturais que buscam subsidiar o trabalho dos profissionais da saúde em todos os âmbitos da assistência do SUS (Sistema Único de Saúde).
Levando em conta o contexto histórico recente, é notável a queda no número de notificações entre os anos de 2019 e 2020, o que pode estar relacionado à pandemia de covid-19 e às medidas de restrição. A redução de acesso das usuárias aos serviços de saúde interfere diretamente no resultado, uma vez que a notificação é compulsória, porém depende da iniciativa do profissional de saúde para ser inserida no Sinan.
De acordo com a taxa populacional, os mais atingidos pela violência são os indígena, demonstrando os números mais elevados em todos os anos analisados. Entre 2018 e 2021, a população negra foi a que mais sofreu violência, e em 2022 foi a população amarela que mais somou notificações de violência.
Quanto à faixa etária, meninas de 10 a 14 anos representam as maiores vítimas entre as notificações realizadas no Estado durante todos os anos da série histórica analisada. Dessas, meninas e mulheres indígenas, pretas e amarelas são as mais afetadas pela violência sexual.
Em relação ao local onde os atos violentos ocorrem, a residência é o mais frequente, o que indica que a violência doméstica ainda supera os demais números no Rio Grande do Sul.
Durante a série histórica foram 63.567 casos, sendo prevalente o índice de violência na zona urbana, apontando para a possível subnotificação do mesmo índice em relação às mulheres do campo. A baixa escolaridade também está associada às notificações de violência, ressaltando que quanto menos escolarizadas, mais vulneráveis estão essas mulheres.
Entre os tipos de violência categorizados no boletim, a violência física é a mais facilmente reconhecida pela sociedade e pelos profissionais de saúde, tendo em vista a forma mais explícita com que se manifesta. Esse dado, de acordo com a análise do material, está relacionado com a compreensão que se tem do conceito de violência – que muitas vezes desconsidera violência psicológica, patrimonial, negligência, entre outras.
Quase metade das notificações de violência (42,5%) são registradas em atendimentos na atenção terciárias, em grandes hospitais e em atendimento especializado, indicando que chegaram a um grau severo de gravidade. Em segundo lugar no número de registros está a atenção secundária (31,6%) e em terceiro a atenção primária (19,6%). Esses números evidenciam que embora seja na atenção básica que ocorre o maior vínculo com a população, ela ainda é a que menos notifica casos de violência.
Esse cenário, aponta o boletim, significa que ainda existe um enorme desafio entre a realidade enfrentada pelas mulheres gaúchas e o trabalho dos profissionais de saúde que atuam na ponta, sendo fundamental capacitar e estimular a atenção primária em saúde para que esteja sensível às violências contra meninas e mulheres, identificando sinais desde o início.
Aborto legal
A publicação também traz um recorte sobre o aborto legal no Estado, apresentando dados sobre procedimentos de interrupção da gestação nos casos previstos em lei. O Rio Grande do Sul tem sete serviços de referência do SUS para a realização de aborto. Entre 2019 e 2022 foram realizadas 428 interrupções legais em decorrência de violência sexual.
A representação social observada nesse cenário é de mulheres com nível de escolaridade médio e superior, o que evidencia que o perfil das mulheres vítimas de violência sexual no Estado não é o mesmo das que acessam a interrupção legal da gestação. Essa discrepância se justificaria pela falta de acesso à informação sobre direitos e torna urgente ações de fortalecimento e direcionamento de orientações junto à atenção primária à saúde.
O documento reflete a violência contra meninas e mulheres como um problema que ultrapassa os níveis de gestão (federal, estadual e municipal) e busca dar visibilidade aos reais indicadores. Como instrumento para subsidiar futuras intervenções, o boletim se propõe a assegurar agendas de proteção e ampliação do acesso universal e integral aos serviços de saúde de meninas e mulheres vítimas de violência.