No coração do agronegócio brasileiro, mulheres estão desafiando estereótipos e moldando o futuro de uma das indústrias mais importantes do país. Por décadas, o campo foi visto como território predominantemente masculino, mas histórias como as que vamos contar nessa reportagem estão mudando esse cenário, inspirando outras mulheres e desbravando novos caminhos em meio a desafios e conquistas.
O protagonismo das mulheres no campo e à frente de propriedades vem crescendo a cada ano. Segundo dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) em conjunto com a Embrapa e o IBGE, atualmente elas são responsáveis por mais de 30 milhões de hectares, representando 8,4% da área rural do país. Além disso, hoje cerca de 1 milhão de mulheres administram propriedades rurais em todo o Brasil.
Elas se tornaram referência
Para que chegássemos a um 2024 onde a mulher consolida o seu protagonismo no agronegócio, muitas tiveram que abrir esse caminho e começar uma jornada totalmente inovadora nesse meio. Esse é o caso da agricultora Fabiana Venzon, filha, neta e bisneta de agricultores, que quando criança sempre quis sair do campo, mas retornou às suas raízes e construiu seu caminho na propriedade.
Fabiana conta que na infância o seu sonho era estudar e trabalhar no mundo corporativo, com ar-condicionado. “Era uma atividade muito sofrida, muito difícil, especialmente naquela época, completamente diferente do que vivemos hoje, com muita tração animal e uma agricultura mais rudimentar”, recorda. No entanto, foi em 2011, quando, por uma ironia do destino, Fabiana voltou para o agronegócio como uma oportunidade de negócio e investimento.
– Após já ter sido casada e ter me divorciado, com duas filhas pequenas para criar, surgiu a oportunidade de investir em uma propriedade rural no interior de Passo Fundo. Refleti bastante, porque realmente não era o que eu almejava, mas era algo com o qual poderia me ocupar e cuidar das minhas filhas de forma direta todos os dias. Então, com a ajuda do meu pai e de meus outros irmãos, fizemos a visita à propriedade e decidi investir – conta Fabiana.
As mulheres vêm conquistando o seu espaço e estão consolidadas no mercado de trabalho como um todo e, apesar de muitos desafios, permanecem também no mundo corporativo. Para a gerente do Departamento Humano e Organizacional da Cotijal Simone Rohrig, trabalhar em uma área administrativa de uma cooperativa é estar trabalhando diretamente com o agronegócio, com o produtor. “Aqui na nossa cidade, na nossa região, o agro é o centro de tudo, giramos em volta dele e ele norteia o nosso dia a dia”, destaca.
Simone começou a sua carreira dentro da cooperativa em 2002 no setor de RH com mais uma pessoa e a partir disso viu o setor crescer e se desenvolver até se tornar o Departamento Humano e Organizacional e hoje contar com uma equipe de 13 profissionais.
Foi neste meio mais administrativo que a gerente de marketing da Stara, Cíntia Dal Vesco, construiu uma carreira de sucesso. Para Cíntia, o desafio da mulher no mercado de trabalho começa a partir do dia em que ela sai da escola e precisa começar uma carreira.
– O primeiro desafio era encontrar emprego, pois as mulheres não tinham muita inserção no mercado de trabalho naquela época, a não ser em profissões liberais. Como não tinha condições de pagar uma faculdade, precisei entrar no mercado de trabalho para estudar. Trabalhei em um escritório, pois na época, as mulheres não trabalhavam em indústrias, por exemplo, e a partir disso foram surgindo as oportunidades – conta.
Cíntia relembra que começou ajudando a equipe de vôlei da Stara e assim quando surgiu uma oportunidade de trabalhar no escritório, o que era muito concorrido, ela resolveu se candidatar. “Passei por diversos testes e fui escolhida para trabalhar na área comercial. Com o tempo, fui crescendo na empresa, me capacitando e buscando oportunidades de estudo”, comenta.
A busca pelo aperfeiçoamento
Conforme dados divulgados pela Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG), 71% das mulheres envolvidas no setor agropecuário enfrentam uma série de tarefas e responsabilidades. Isso se deve ao fato de serem encarregadas das atividades relacionadas à propriedade e à gestão do negócio, assim como das questões pessoais, domésticas e da maternidade. Além disso, a pesquisa mostra que 60% das mulheres têm ensino superior completo, sendo que dessas, 24% cursaram pós-graduação ou mestrado. Essa informação mostra a qualidade técnica e de gestão das mulheres que estão à frente de propriedades rurais.
Para a gerente de Marketing da Stara, estudar e buscar aperfeiçoamento para o trabalho foi o que manteve a motivação e também o crescimento constante dentro da empresa. Cíntia conta que assumiu a gerência em 2010, foi um marco por ser uma das primeiras mulheres nessa posição na empresa.
– Foi um desafio liderar uma equipe, principalmente composta por homens. No entanto, sempre fui bem recebida por todos e acredito que o trabalho em equipe e a competência são fundamentais para o sucesso. Hoje, temos um quadro de colaboradores mais diversificado e com um bom desempenho, o que mostra que a presença da mulher na liderança pode ser muito positiva – destaca.
Fabiana Vanzon conta que no início teve que comprar tratores, colheitadeiras, plantadeiras e estruturar todos os galpões da nova propriedade e logo na primeira safra foi uma grande frustração, onde a colheita chegou a apenas 30 sacas de soja por hectare devido à seca. “Tive que lidar com dívidas e a pressão de fazer o negócio dar certo. Houve momentos em que pensei em desistir, mas decidi enfrentar os desafios”, comenta a agricultora. Para Fabiana, a busca por qualificação foi fundamental para que hoje ela tivesse confiança e conhecimento para a tomada de decisões:
– Decidi buscar conhecimento e me capacitar, fiz cursos de gestão estratégica de agronegócio na Fundação Getúlio Vargas (FGV) e procurei entender mais sobre gestão e mercado. Aprendi que, no agronegócio, não controlamos o clima nem o mercado, mas controlamos como cuidamos da terra e produzimos. Foquei em melhorar a saúde do solo e aperfeiçoar os recursos. Hoje, consigo colher mais de 70 sacas por hectare e quitar todas as dívidas, além de fazer novos investimentos – analisa a produtora.
Para Simone, é importante considerar que existe uma geração de mulheres que já nasceu preparada para estudar e sair de casa, o que é muito diferente das gerações anteriores, e agora é preciso olhar para o mercado onde homens e mulheres trabalham juntos, cada um na sua área de atuação.
– Eu acho que, em primeiro lugar, a gente precisa considerar que nós somos diferentes. Os homens têm uma coisa que eu acho muito legal que é uma capacidade objetiva muito forte. Os homens são objetivos por natureza, eles dizem o que precisa ser dito, e nós mulheres somos mais sensitivas, intuitivas, temos mais calma e cautela na tomada de decisões e isso ajuda no equilíbrio do setor – destaca a gerente do Departamento Humano e Organizacional da Cotijal.
Mulheres que inspiram
Com o crescimento da participação da mulher à frente das propriedades rurais, hoje jovens mulheres enxergam no agronegócio o seu lugar, a sua vocação e a inspiração para seguir e construir o seu próprio legado. Para Cíntia, compartilhar histórias de mulheres que conseguiram conciliar carreira e família faz toda a diferença, pois isso mostra que é possível superar os desafios e alcançar os objetivos.
– É necessário que as mulheres se apoiem umas às outras e quebrem ideias de competição exacerbada. Quanto mais mulheres estiverem no palco, mais espaço teremos para todas. O sucesso é uma conquista coletiva – destaca.
Fabiana conta que se sentia muito sozinha, mas agora vê muitas mulheres jovens atuando no agronegócio, e isso torna o dia a dia ainda mais fantástico. “Hoje, as mulheres não têm mais vergonha de dizer que são do agro e estão mais envolvidas na gestão das propriedades. Me alegra ver essa mudança e saber que contribuí para isso. O importante é respeitar a vocação de cada uma e vejo que as mulheres têm um olhar mais consciente e de longo prazo na gestão das propriedades, o que contribui para o sucesso das empresas agrícolas – frisa a agricultora.
O reconhecimento vem sempre depois de muito trabalho e dedicação. Para Simone, ser hoje reconhecida por aqueles que foram seus mestres acadêmicos e ter uma proximidade com eles, hoje de colegas de trabalho, traz um sentimento de gratidão.
– Eu tive grandes mestres inspiradores, professores que fizeram a diferença no meu desenvolvimento e hoje somos parceiros, colegas nessa área onde um acompanha o trabalho do outro mostrando que a inspiração segue sendo fundamental para as novas gerações – comenta.
A participação das mulheres neste setor está em constante crescimento. Apesar dos desafios ainda presentes, muitas conquistas podem ser celebradas e esses exemplos demonstram que as mulheres desempenham um papel ativo em qualquer área que desejarem, inclusive no agronegócio.