Mais de um bilhão de jovens entre 12 e 34 anos estão em risco de perda auditiva devido ao uso inadequado de fones de ouvido e por frequentarem locais com música em volume além do orientado. A conclusão é de uma revisão de 33 estudos sobre o tema envolvendo quase 20 mil participantes, publicada na revista científica BMJ Global Health.
Os pesquisadores responsáveis pelo trabalho escrevem que os resultados são um alerta sobre a “urgente necessidade de governos, indústria e sociedade civil priorizarem a prevenção global da perda auditiva, promovendo práticas de escuta”, e destacam que há diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS) disponíveis para ajudar a garantir esse objetivo.
Liderada pela pesquisadora da Universidade da Carolina do Sul, nos Estados Unidos, Lauren Dillard, a revisão é parte de um esforço internacional de especialistas da própria OMS e de instituições de países como Suíça, Suécia e México.
Eles explicam que trabalhos anteriores já haviam mostrado que, embora o limite orientado para o volume seja de 80 decibéis (dB) para adultos e 75 dB para crianças, usuários de fones de ouvido costumam aumentar o som para até 105 dB, e a média em locais com música para entretenimento, como boates e shows, varia entre 104 dB e 112dB.
“A exposição exagerada ao barulho de alta intensidade é potencialmente lesivo para a audição e um dos fatores mais importantes conhecidos que causa a perda auditiva irreversível. De fato temos visto com muita frequência o uso dos fones de ouvido, mas é importante termos em mente que o fone não é o vilão, eles trazem muitas facilidades e funcionalidades. O problema é o volume, porque sabemos que a partir de 85 dB o nosso ouvido começa a estar em risco”, destaca o otorrinolaringologista Luciano Moreira, especialista em surdez e médico do Hospital São Vicente de Paulo, no Rio de Janeiro.
Considerando a adesão significativa de jovens tanto ao uso de fones, como a locais com som alto, os cientistas decidiram avaliar a prevalência de pessoas na faixa etária que estaria exposta às frequências prejudiciais ao ouvido – e, portanto, estaria em risco elevado de perda auditiva.
Para isso, eles selecionaram 33 estudos, em idiomas como inglês, francês, espanhol e russo, que compilaram 35 registros de audição entre jovens de 12 a 34 anos, 17 registros focados nos fones de ouvido e 18 nos locais de entretenimento musical.
Eles descobriram que a exposição recorrente a frequências sonoras danosas é uma prática comum de forma global. Em relação aos fones de ouvido, a prevalência foi de 24% entre os adolescentes e jovens, enquanto para estabelecimentos com música alta foi de 48%.
Baseado na estimativa de que a população mundial é composta por 2,8 bilhões de indivíduos na faixa etária, os pesquisadores concluíram que um total de até 1,35 bilhões de jovens estão com um potencial risco para perda auditiva.
“Por natureza, crianças, adolescentes e jovens podem conhecer menos e por isso estarem menos atentos aos riscos. Então é preciso que essa parcela da população entenda a mensagem de que o exagero traz uma perda auditiva irreversível. Nas escolas, as família, nós profissionais da saúde precisamos fazer esse alerta voltado para a educação desses indivíduos sobre esse problema”, defende Moreira.
Impactos no ouvido
Os cientistas explicam que, embora mais estudos epidemiológicos sejam necessários para compreender de forma completa os efeitos da exposição recreativa ao som elevado na audição, já há evidências consistentes para os danos que levam à perda da capacidade de ouvir.
“Estudos indicaram que instâncias repetidas ou mesmo únicas de exposição ao ruído alto podem levar a danos fisiológicos que se apresentam como perda auditiva temporária (mudanças temporárias de limiar) que se resolve dentro de várias horas ou dias, ou zumbido agudo, ambos os quais podem ser preditivos de dano permanente na audição”, escrevem os pesquisadores.
Além disso, destacam que a exposição já foi associada a um diagnóstico chamado sinaptopatia coclear, “que pode ser definida como dano ou perda de contatos sinápticos entre as células ciliadas da cóclea e fibras nervosas do sistema auditivo”. As células são chamadas de receptoras auditivas por serem responsáveis em grande parte pela audição.
“As práticas auditivas inseguras são reconhecidas como um importante problema de saúde pública global”, afirmam os responsáveis pelo trabalho, lembrando diversas iniciativas da OMS para atenuar os efeitos negativos.
Algumas delas, como a campanha “Escuta segura”, têm caráter educacional para informar a população, profissionais da saúde, legisladores e a indústria fonográfica sobre os limites indicados de decibéis e os riscos de ultrapassá-los.
Em 2018, a organização lançou padrões globais de limites para serem adotados de forma voluntária pelos fabricantes de fones de ouvido. Neste ano, criou diretrizes para locais e eventos com música alta, como boates, bares, shows e festivais.
A OMS estima que, atualmente, cerca de 430 milhões de pessoas no mundo vivem com perda auditiva.
Fonte O Sul